24.7.09

Estou nos braços da Paz..* [parte II]

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Há muito que me imaginava nesta praia contigo. Atravessei um oceano para ver esta lua cheia do teu lado. Sinto-me embriagada, acabei de o dizer e tu ris. Culpas o vinho e eu culpo-te a ti. Esse sorriso imenso. Essa luz que irradia.
As horas passam devagar, se é que passam, já não sei, não me interessa, nos teus braços o tempo pára. "O tempo não existe. Somos nós de novo e é tudo o que interessa."
Há muito que me imaginava nestas férias tão desejadas. O local paradísiaco. O calor abrasador. A comida exótica que nos rodeia. O vinho maravilhoso que saboreio de novo na tua boca.
Não que fosse preciso o cenário perfeito para fazer a magia acontecer. Mas esta noite, os desejos realizam-se e eu deixei tantos para depois e nunca to disse. Por isso, hoje, deixa-me acreditar.
Estou de olhos fechados agora e sinto a tua mão no meu cabelo. A tua boca aproxima-se do meu rosto, respiras intensamente ao meu ouvido, falas palavras cheias de tudo e depois, esses lábios tocam os meus. Oh Deus, beijar-te continua a ser uma experiência quase mística. Digo-te e voltas a rir. Nunca levas a sério estes delírios. Mas a verdade, é que a cada toque teu eu sei que me aproximo um pouco mais do céu. Estou de regresso aos braços da Paz.
Há muito que me imaginava a fazer amor contigo aqui. E quando finalmente entras dentro de mim e eu abro os olhos e te encaro, eu sei, só sexo, assim seja, mas eu sei, que nunca foi assim antes, que nunca mais será, só sexo, eu sei, deitada nesta areia, com o mar que nos toca suavemente, com a lua por testemunha, eu sei, só sexo, assim seja. Só sexo, mas contigo.
Bebi demais, sabias? Foram tantas as noites em que adormeci com a tua mão no meu corpo, não a tua, mas a minha, a minha mão traiçoeira a fingir-se passar pela tua, a tentar colmatar a tua ausência. Foram tantas as manhãs a confirmar que tu não estavas. Hoje, é só mais uma. Tu não estas. Nunca estiveste.
E de volta à realidade, a cabeça rejeita-te, o coração recusa-se aos sinais que tu não viste, mas o corpo, maldito, o corpo não te esquece.
Por isso, diz-me, se só o teu corpo eu soube amar de olhos abertos, diz-me, como te ver agora, olhar nos teus olhos e não nos encontrar?
Nós eramos a perfeição. Tu foste embora.
E eu não tenho como condenar ou perdoar-te.

6.3.09

*Porque me faz sorrir, e é um sorriso de esperança, partilho convosco..

Acabo de jantar, tomo meu café, e fico contemplando o quadro diante de mim: foi colocado dentro de um rio e ali repousou por um ano, esperando que a natureza desse o retoque final ao trabalho da pintora.
Metade da pintura foi carregada pelas águas e pelas intempéries, de modo que as bordas são irregulares; mesmo assim, posso ver ainda parte da bela rosa vermelha, pintada sobre um fundo dourado. Conheço a artista. Lembro-me de 2003, quando fomos juntos até uma floresta dos Pirineus, descobrimos o riacho que naquele momento estava seco, e escondemos a tela debaixo das pedras que cobriam seu leito.
Conheço a artista, Christina Oiticica. Neste momento, está fisicamente a 8 mil quilômetros de distância, e ao mesmo tempo sua presença está em tudo que me cerca. Isso me alegra: mesmo depois de 29 anos de casados, o amor é mais intenso que nunca. Jamais imaginei que isso fosse acontecer: vinha de três relações que não tinham dado certo, e estava convencido que não existe amor eterno, até que ela apareceu – em uma tarde de Natal, como um presente enviado por um anjo. Fomos ao cinema. Fizemos amor no mesmo dia. Eu pensei comigo mesmo: “não vai durar muito”. Durante os dois primeiros anos de relação, estava sempre preparado para que um dos dois fosse embora. Durante os cinco anos que seguiram, eu continuava achando que era apenas acomodação, e em breve cada um seguiria seu destino. Tinha convencido a mim mesmo que qualquer compromisso mais sério iria me privar de “liberdade” e impedir-me de viver tudo aquilo que desejava.
Vinte nove anos depois continuo livre – porque descobri que o amor jamais escraviza o ser humano. Sou livre para virar a cabeça e vê-la dormindo ao meu lado – essa é a foto que tenho em meu telefone celular. Sou livre para sairmos, caminharmos, continuar conversando, discutindo – e eventualmente brigando, como sempre. Sou livre para amar como nunca amei antes, e isso fez uma grande diferença em minha vida.
Volto ao quadro e ao rio. Estávamos no verão de 2002, eu já era um escritor conhecido, tinha dinheiro, julgava que meus valores básicos não haviam mudado, mas como ter absoluta certeza? Testando. Alugamos um pequeno quarto em um hotel de duas estrelas na França, onde começamos a passar cinco meses por ano. O armário não podia crescer, de modo que limitamos nossas roupas. Percorríamos as florestas, jantávamos fora, ficávamos horas conversando, íamos ao cinema todos os dias. A simplicidade nos confirmou que as coisas mais sofisticadas do mundo são justamente aquelas que estão ao alcance de todos. Para meu trabalho tudo que precisava era um computador portátil. Acontece que minha mulher é…pintora.
E pintores precisam de gigantescos ateliês para produzir e guardar seus trabalhos. Não queria de maneira nenhuma que sacrificasse sua vocação por mim, de modo que me propus a alugar um local. Entretanto, olhando em volta, vendo as montanhas, os vales, os rios, os lagos, as florestas, ela pensou: por que não trabalho aqui? E por que não permito que a natureza trabalhe comigo?
Daí nasceu a idéia de “armazenar” as telas ao ar livre. Eu levava o laptop e ficava escrevendo. Ela se ajoelhava na grama e pintava. Um ano depois, quando retiramos as primeiras telas, o resultado era original e magnífico.
Vivemos naquele pequeno hotel dois anos inesquecíveis. Ela continuou a enterrar suas telas, já não mais por necessidade, e sim por ter descoberto uma nova técnica. Amazônia, Mumbai, Caminho de Santiago, Lubijana, Miami. Hoje está longe, mas amanhã, ou na semana que vem, estará perto de novo. Dormindo ao meu lado. Contente, porque seu trabalho começa a ser reconhecido no mundo inteiro.
Neste momento, olho apenas a rosa. E agradeço ao anjo que me deu dois presentes naquele natal de 1979: a capacidade de abrir meu próprio coração, e a pessoa certa para recebê-lo.


"A rosa dourada", Paulo Coelho

19.2.09

A thought

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And once again I realize that life is a sea of options.
I stand before myself not having a clue about what character to choose that could substitute the skin I’ve been wearing for so many years.
How can we delete our entire self and replace it for a completely new one?
Where to start from?
I’m standing in the middle of a crossroads and I don’t know which way to turn to.
Times passes by and I still find myself encarcerated within an unreconizable self.


Shana Andrade

4.2.09

"And I hope you see things that startle you..." *

Na vida que tenho e até prova do contrário, a única que terei, mais do que qualquer outra coisa, receio acomodar-me. Eu tenho ânsia de viver. Preciso de acordar a cada manhã apaixonada pelo momento e saltar da cama, saltar, não deslizar, e enfrentar assim o novo dia que se avizinha. Quando isso não acontece, não me sinto digna da benção de acordar. Odeio sentir-me assim. Tão pouco inebriada pela vida. E sei que estou carente de paixão.
O mundo inteiro está carente de paixão. Por todo o lado existem olhos baços. Corpos pouco ousados. Corações que deixam de bater acelerados. Já ninguém se apaixona de verdade. Ganhou o medo. Ganhou-me o medo. E acordar assim, já não tem o mesmo sabor de outrora.
Felizmente, não podemos contrariar para sempre a nossa natureza e existem momentos em que nos reencontramos. Não interessa se o que nos move, é um outro alguém, se um projecto profissional, se uma viagem planeada. Não interessa se lhe toco e é realizável, se o sinto e não passa de uma utopia. O importante é ter algo que nos apaixone. É tudo o que importa. Paixão. Porque todos nós precisamos de algo que nos faça saltar da cama. Que nos faça dar o último passo que fará toda a diferença e seguir em frente. Que nos faça arriscar. Que nos faça acreditar em nós e nos outros. Que nos arrebate. E principalmente, que em caso de erro, nos dê força para recomeçar de novo. Recomeçar as vezes que forem necessárias.

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Pessoalmente, adoro a palavra Recomeço.
Gosto da ideia de nos serem dadas segundas, terceiras, infinitas oportunidades.
Porque efectivamente acredito que as temos.
E merecemos!

Ana Almeida


* Extraído do filme "O curioso caso de Benjamin Button"

“Para o que vale: nunca é tarde, ou, no meu caso, cedo, para ser quem quer que queiras ser. Não temos nenhum tempo limite, pára quando quiseres. Muda ou permanece na mesma. Não existem nenhumas regras. Nós podemos fazer o melhor ou o pior disto. Eu espero que faças o melhor. Eu desejo que vejas coisas que te surpreendam. Que sintas coisas que nunca sentiste antes. Desejo que encontres pessoas com diferentes pontos de vista. Que te desafies a ti mesma. Eu espero que vivas a Vida que sempre quiseste viver. E se descobrires que não, eu desejo que tenhas a força para recomeçar tudo outra vez."

2.2.09

Ilusão

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Porque já não existes?
Porque já não assumes a forma cristalina, límpida e brilhante que outrora transmitiste?
Porque decidi eu tão tarde acreditar em contos de fadas?
Porque não pudeste tu prolongar o sonho?
Porque não pudeste ser tu?
Porque não pude eu ser agraciada por mais tempo?
Porque não assumiste tu, meu querido estranho, o papel que te atribuí e que durante algum tempo tão bem representaste?
Pior que não acreditar, é acreditar sabendo, no fundo, que nada daquilo poderá existir para nós e comprovarem-nos a teoria.
Agora, se me dás licença, vou ausentar-me só por uns instantes porque estes espinhos que me cravaste na pele estão a causar-me uma dor diabólica. É que resolveste enterrá-los numa parte de mim que ainda tinha feridas abertas e preciso encontrar uma alma caridosa que mos retire urgentemente.
Curiosamente, quando te encontrei, deixei-me ir contigo, justamente, porque me pareceste a pessoa ideal para me retirar os últimos que ainda mantinham a carne exposta. E, afinal apenas os retiraste para poder sangrar e os que espetaste poderem entrar mais facilmente.
Desculpa o incómodo. Mas achei que devia justificar-te a minha ausência não fosses tu ousar pensar que eu é que tinha tido a inteligência de te ler a tempo. Li. Mas li o livro errado.
Quanto à marca na cara causada pela luva de pelica que pensavas estar a utilizar, deixa-me fazer-te só um pequeno reparo. Não era uma luva; era uma bota da tropa. Pode ser que sare com o tempo.
Quando puderes, se não for muito trabalho, devolve-me a minha capacidade em acreditar de novo, por favor. É que ando à procura dela desde ontem e não a encontro. Talvez a tenhas levado por engano quando resolveste trocar a indumentária à tua personagem.

Shana Andrade

O que eu queria mesmo era marcar o teu número e ligar..

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.. E assim que ouvisse a tua voz, desdobrar-me em palavras e invadir a tua mente com as frases feitas e lugares comuns habituais. És demasiado inteligente para acreditar sem questionar no que te digo, mas se for rápida e apaixonada o suficiente, sei que te perguntas: Será? Poderá ela estar certa? Missão cumprida. Ainda que por milésimos de segundo, alojei-te a semente da dúvida e esse é o passo certo para recomeçares a caminhada.
O que eu não posso nunca é dar-te tempo para usares o teu poder de argumentação. Porque se deixo que a lógica saia vitoriosa, e a razão te assista, eu sei que deixas de acreditar e quando o fazes, deixamos as duas. Porque ao contrário do que possas pensar, é a tua fé que me torna defensora acérrima de tudo o que penso e sinto.
Mas, se te ligasse agora, não iriamos discutir diferentes pontos de vista, não colocaria os cenários mais surreais em cima da mesa nem seria advogada do diabo. Desta vez, não iria refutar a tua opinião. Falar-te de esperança. Fazer-te crer que para tudo há uma explicação. Hoje, porque tenho a tua dor e a minha em simultâneo, assentiria com a cabeça e conformar-me-ia com uma triste realidade. Existem pessoas que nos desiludem. E porque o erro não é nosso, nem provém de falsas expectativas, a mágoa é ainda maior. Existem pessoas que nos mentem. Ponto final parágrafo.
E é por esse motivo, minha amiga, que estou há 24 horas com o telemóvel do meu lado e ainda assim, não te ligo. Estamos ambas exaustas e eu tenho vontade de concordar contigo.

Ana Almeida

* "We don't wish for the easy stuff. We wish for big things. We wish because we need help and we're scared and we know we may be asking too much. We still wish, though, because sometimes they come true."

Condição Humana

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Sou Mulher.
Perita em disfarce, umas vezes fria como um bloco de gelo, outras delicada como um dente de leão ao vento.
Sou Mulher.
Encantadora, doce como um favo de mel, meiga e compreensiva.
Tempestuosa, efervescente, explosiva e vulcânica.
Sou Mulher.
Sedutora, envolvente, cativante e maliciosa.
Simples, maternal, recolhida e tímida.
Sou Mulher.
Combativa, orgulhosa, persuasiva e tenaz.
Tímida, encolhida, chorosa e pedinte.
Sou Mulher.
Inteligente, analítica, perspicaz e observadora.
Distraída, aérea, emocionalmente cega e sentimentalmente tolhida.
Sou Mulher.
Crente, esperançosa, optimista e radiante.
Derrotista, pessimista, desencantada e apagada.
Sou Mulher.
Sou mulher e, ainda assim, no seio de tanta dualidade, consigo ser consistente em relação ao que quero, desejo e almejo.
Sou mulher e chego à conclusão que não preciso de um manual de instruções para ser entendida, porque falo e expresso as minhas vontades.
Sou mulher e possuo um coração vasto e generoso que me permitiu perdoar, ainda que não esquecer, todas as vezes em que me mentiram, desiludiram e trapacearam.
Porque não consegues, tu, Homem, fazer o mesmo?

Shana Andrade

1.2.09

Si tu no estas aqui me falta el sueño *

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Não há nada que me faça dormir hoje. Desisto de lutar contra as evidências. Acendo um cigarro e escrevo numa tentativa absurda de aproximação.
"No quiero estar sin ti, si tu no estas aqui me sobra el aire"
Eu não te queria. Eu não te queria sequer! Que direito tinhas de quebrar todas as barreiras? De invadir todos os espaços e depois de os fazeres teus, deixares-me aqui sozinha?

Dou por mim a odiar-te, a agarrar-me a todas as coisas más e torná-las ainda maiores. E consigo por momentos, uns instantes pequenos, até regressares de novo, tu a quem me rendi desde o início. E essa recordação é mais forte do que eu. Ou tu és, porque voltas ainda com mais força.
"No quiero estar asi, si tu no estas la gente se hace nadie"
Eram tantas as certezas. Envolvi-me em cada gesto de ternura, em todas as palavras imensas que proferias, fiquei sem argumentos perante esse jeito sereno e seguro. E acreditei... Disseste-me um dia que só te sentias tranquilo quando eu estava nos teus braços. Que só assim não te preocupavas se estava bem ou não. Pergunto-te então, onde estas tu agora?

Agora que preciso, que me dói. Onde estás tu, agora que sei, que só nos teus braços me sentia bem assim?
"Derramaré mis sueños si algún día no te tengo. Lo mas grande se hara lo mas pequeño"
Dou por mim a encontrar-te em todo o lado. A toda a hora. Em qualquer lugar. "Vejo-te" nos carros idênticos que passam, em pequenos pormenores de outros que me recordam os teus, no cheiro do gel de banho que usas e eu também, nas músicas que oiço e me falam de ti. Nesta maldita música que me acompanha enquanto escrevo e que oiço até a exaustão.

Dou por mim à espera. Toca o telemóvel e penso que és tu, nas mensagens que recebo, espero pela tua. Afinal, tens que ser tu. Só podes ser tu. Mas não és. Nunca és. E dói.
"paseare en un cielo sin estrellas esta vez, tratando de entender quien hizo un infierno el paraíso"
E depois tento, eu juro que tento, viver um dia a dia normal, tento sorrir, fazer sorrir alguém, tento continuar e não pensar em ti, porque tudo passa, é o que dizem e eu sei que tudo passa. E tento não pensar em ti. Contudo penso. E a determinada altura já não quero saber que tudo passa, porque a única coisa que quero, é que tu fiques!
E no entanto sei que não há nada que possa fazer. Porque tu não estás. Nem vais estar. Sei que tenho que aceitar porque os sentimentos não se pedem nem se obrigam. Eu sei. Mas em determinado momento, já não me interessa o que sei. E se adiantasse eu pedia. Revirava este mundo para te ter aqui agora. Implorava. Dizia-te com as lágrimas nos olhos, volta amor, volta...
"Si tu no estas aquí sabrás, Que dios no va a entender por que te vas"

Ana Almeida

[Um texto vindo do baú das memórias. A acompanhar o tempo triste que se faz sentir lá fora..]

* Ao som de "Si tu no estas aqui", Rosana

22.1.09

Cativa-me *

Cativa-me. Por favor, cativa-me, pedia a raposa ao principezinho, e peço-te eu a ti. Cria laços entre nós para que te sinta único no mundo, para que me sintas a mim. Por favor, cativa-me.
Tenho vivido uma Vida maravilhosa. Todos os dias acordo e volto amar cheiros e cores. E é tão bom viver assim. Agradecida. Em profunda e serena tranquilidade.
No entanto, hoje não pára de ecoar na minha mente uma frase: "um dos sintomas da morte dos nossos sonhos é a Paz. Porque a vida passa a ser uma tarde de domingo.." E eu pergunto-me; como permiti eu, que se instalasse este conforto no meu coração?! Porque deixei eu, que ele parasse de bater apaixonadamente?! Se me olho ao espelho sorrio, no entanto, se procurar mais fundo, sei que os meus olhos, que os meus sonhos e planos, deixaram de amar. Eu sei.

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Fazes-me falta esta noite. Dói-me a tua ausência e por absurdo que pareça, sabe-me bem esta sensação. Porque quando estou do teu lado, volto a ser uma menina e eu quero voltar a ser uma menina e ter sonhos cor de rosa, e borboletas no estômago e pernas que insistem em tremer. Eu não fui feita para tardes de domingo, meu querido. Não te quero atravessar como quem ultrapassa uma meta. Eu não quero ganhar nada. Estou cansada de vitórias sensaborosas. Eu quero o jogo de volta. Eu quero o risco. Quero de volta a paixão e o medo, estou cansada de estar sempre certa. E segura. Eu quero que me atinjas! Eu preciso que me atinjas!
Se estivesses aqui agora, inundava-te com perguntas, que de tão pequenas, contêm o mundo. O teu mundo. O mundo que anseio conhecer. Onde é que tu nasceste, afinal? Tinhas medo do escuro em pequenino? E o teu melhor amigo, como se chamava? Onde estudaste? Qual era a tua disciplina favorita? Diz-me como se chama o teu filme favorito e canta ao meu ouvido a música que te faz dançar. Conta-me, porque sítios andaste até aqui chegar. Fala-me do que te assusta, do que te faz chorar e onde é que não pára nunca de doer. Depois volta-te a rir comigo.
Cativa-me. Por favor, cativa-me. E a seguir, cala a minha boca com a tua. Quero a sensação avassaladora de dar um beijo e saber, naquele preciso segundo saber, que é o fim da vida como a conhecia.

Ana Almeida

* "O Principezinho", Saint Exupery
- «Cativar» quer dizer o quê?
- É uma coisa de que toda a gente se esqueceu - disse a raposa.
- Quer dizer criar laços...
- «Criar laços»?
- Sim, laços - disse a raposa. - Ora vê; por enquanto tu não és para mim senão um rapazinho perfeitamente igual a cem mil outros rapazinhos. E eu não preciso de ti. E tu também não precisas de mim. Por enquanto eu não sou para ti senão uma raposa igual a cem mil outras raposas. Mas, se tu me cativares, passamos a precisar um do outro. Passas a ser único no mundo para mim. E eu também passo a ser única no mundo para ti...
A raposa calou-se e ficou a olhar para o principezinho durante muito tempo.
- Por favor . cativa-me! - acabou finalmente por pedir.
(...) E o principezinho cativou a raposa. Mas quando se aproximou a hora da despedida..
- Ai! - suspirou a raposa. - Ai que me vou pôr a chorar.
- A culpa é tua - disse o principezinho. - Eu não te desejava mal nenhum, mas tu pediste para eu te cativar .- Pois pedi - disse a raposa. - Mas agora vais pôr-te a chorar! - disse o principezinho. - Pois vou - disse a raposa. - Então, não ganhaste nada com isso!
- Ganhei, sim, senhor! - disse a raposa - Por causa da cor dos campos de trigo - E em seguida acrescentou - Anda, vai ver as rosas outra vez. Vais compreender que a tua é única no mundo. Quando vieres ter comigo, dou-te um presente de despedida: conto-te um segredo.

(..)- Os homens já não se lembram desta verdade - disse a raposa. Mas tu não deves esquecê-la. Ficas responsável para todo o sempre por aquilo que cativaste. Tu és responsável pela tua rosa...”

20.1.09

Porque Fazes Parte de Mim

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Lembro-me de seres genuína e de encarares os teus sentimentos de forma natural e, por isso mesmo, nem os tentares combater porque eram um prolongamento de ti. Lembro-me de te ver sorrir e dos teus olhos brilharem; de te ouvir questionar e expressares a tua revolta quando algo não corria bem; de te ver chorar e espelhares a tua tristeza com intensidade. Até que ele chegou e te espezinhou o coração genuíno.
Todos, os que interessam pelo menos, sabemos que corações puros e verdadeiros são uma presa fácil para abutres que teimam em dizimar tudo ao seu redor. E ele dizimou-te. Cansou-te, esgotou-te, fez-te penar e passaste a viver de frases bem pensadas e sorrisos bem escolhidos e assumiste a postura que já tão famosa te torna de “eu sou tão estupidamente feliz”.
Deixaste de querer sentir porque isso implica sempre dor e tu achas que já tiveste mais do que a que o teu amor merecia. Como não te permitiste sentir, não choraste, não gritaste, não fizeste o luto emocional, nem te permitiste lamber as feridas. Apenas te resignaste. E deixaste de querer sentir. E esqueceste-te que dor é sinónimo de emoção, de vida. Tu que tanto te gabas de a celebrar ... deixaste de saber o que a vida representa.
Eu quero ver-te sofrer. Eu quero ver-te penar. Porque esta foi sempre a forma que tiveste de sentir, de amar, de adorar. Porque esta é que é a verdadeira celebração da vida e nós nunca o soubemos fazer de outra maneira. Porque sempre concordaste comigo quando eu gritava aos sete ventos: “EU QUERO QUE ME ATINJAM!”. Porque sempre fomos defensoras acérrimas do amor incondicional. Porque quando se tem a nossa capacidade de amar, nada é ilimitado. Porque quando se é como nós ... os sentimentos não se contornam e muito menos se fingem. Porque quando vejo que não estás bem, já não o admites (há muito tempo). Mentes e revestes-te em mil outras que não existem em ti. Deixaste de ser tu. Abandonaste a tua essência e tudo o que foste e em que sempre acreditaste.
Sempre foste dos maiores corações que conheci até hoje e amaldiçoada seja eu se não voltarei a ver-te como de facto és. Nunca te permitirei que te tornes um bacalhau seco. E, se para tal, tiver que ser o teu reflexo, o teu espelho, assim o farei.
Há pouco tempo falei-te disto pela primeira vez. Contrapuseste, brincando, dizendo que voltarás a ser o que eras no dia em que eu aprender a amar-me. O que me parece que não entendes é que eu sempre assim fui e que o processo de aprendizagem é longo e penoso. Tu tornaste-te assim por opção.
Recorda-te ... o sermos tocadas pelo gelo não implica necessariamente que nos tornemos nele, pois se nos permitirmos, a queimadura cicatriza. Permite-te a cicatrização. Permite ao teu coração viver de novo. Permite ao meu coração acreditar, através de ti, como sempre foi. Porque fazes parte de mim e é através de ti e de tudo aquilo que sempre defendeste e em que sempre acreditaste que também ganho mais amor por mim mesma. Ao cuidares de ti, cuidarás de mim também e tornarás o meu caminho menos penoso. Humaniza-me e faz-me voltar a acreditar porque esta é uma das tuas missões aqui na terra.

Shana Andrade

18.1.09

Breu

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Dentro me mim a fina luz extingue-se,
O véu descai e flutua até ao chão de pedra,
Revelando um coração negro, magoado e sombrio,
Que seca mais e mais um pouco a cada batida.
Um sentimento que não busquei, nem procurei,
Que me torna vulnerável ao momento, a tudo, a todos.
Que me quebra, me revolta e me transtorna.
Que me mata aos poucos, numa dor aguda que não entendo.
Dizem ser sublime e nobre, não concordo.
Não posso concordar com a nobreza do que me enfraquece.
E não o conseguindo combater, porque se apresenta mais forte do que imaginei,
Deixo-o coabitar em mim, esperando que definhe como eu.
Eventualmente, sei que é o que acontecerá.
Mas até lá, preciso arranjar estrutura para conviver...
Conviver com este peso morto, que me impede de inspirar com facilidade.
Com esta desesperança, que só quem tem um coração teimoso conhece.

Shana Andrade

16.1.09

De Corpo e Alma

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Olha para mim, olhos nos olhos.
Deixa-te seguir o instinto e permite-te o abandono. Toca-me como se te pertencesse e faz-me sorrir e dizer-te piadas. Quero ouvir-te gargalhar. Beija-me à chuva. Envolve-me num delicioso abraço e beija-me com sofreguidão. Deixa-me respirar e exalar intensidade. Devolve-me a sensação de ter borboletas no estômago. Desafia-me e seduz-me. Corteja-me e devora-me. Cumpre o prometido e faz-me o desejado. Pulso por ti. Eleva-me e submete-me a ti. Compreende este ser estranho que, por algum motivo alheio a nós, se cruzou contigo. Deixa-me entranhar-me em ti para que o estranhamento passe a ser uma memória. Captura o momento e não o deixes escapar. Agarra-me, segura-me e não me abandones ao nada que me rodeia. Completa-me e preenche-me. Aceita-me e reconhece-me. Aceita-te e reconhece-te. Peca na verdadeira acepção da palavra ... porque só os grandes pecados justificam a lágrima. Não os pequenos que podiam ter sido tanto mais. Fala-me ao ouvido e confessa-te. Desliza as mãos em mim sem pressa. Sente-me. Marca-me e pede-me o mesmo. Trata por tu o meu íntimo porque já fazes parte dele. Não permitas é que a minha imaginação seja tão melhor e tão mais completa do que o momento vivido. Faz-me vivê-la. Vive-a. Busca a essência, o busílis, a causa, o limite. Não te destruas por tão pouco. Aprendeste a diferença entre conceber o crime e o realizá-lo. Aprende agora a diferença entre seres condenado por uma facada superficial e um homicídio glorioso e requintado. Não belisques a maçã. Não sorvas apenas uma gota do seu sumo. Dá-lhe uma estrondosa trinca. Mastiga-a com gosto e até ao caroço, digere-a e retira-lhe a vitamina. E depois segue o teu caminho, se assim o desejares, mas de alma cheia e pleno da convicção de teres errado em grande, só que por algo que o justificou, que tenha realmente valido a pena e, aí, poderás gritar a plenos pulmões: “Mea culpa, mea maxima culpa”!
E eu e a minha alma gritaremos contigo.

Shana Andrade

14.1.09

De Nada ...

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Ali, foste um gigante perante os meus míseros cinco centímetros de altura. Nenhum buraco estava próximo o suficiente para o qual me pudesse ter arrastado sem te dar a oportunidade de me olhares. Estavas tão incrivelmente alto e simpático e natural e conversador e ... indiferente.
As tuas palavras entravam-me pelo cérebro como chicotadas agudas, daquelas em que o som se propaga durante vários segundos. Apetecia-me fugir e tinha os pés pregados ao chão e o desgosto estampado na cara. A melhor das actrizes suicidou-se ali à tua frente, enquanto tu, impávido e sereno, te comportavas como se nada fosse, como se nos tivéssemos visto no dia anterior, como se eu fosse outra qualquer. Ias respondendo às solicitações dos que nos rodeavam e brincando, enquanto eu, mortificada, de pernas vacilantes e olhos perdidos, tentava encontrar a minha postura habitual, que tinha acabado de ser atropelada por ti à tua chegada e ali perecia em agonia. As palavras não me ocorriam, o sorriso fugiu assustado, o cérebro não respondia ... só os olhos viam. E recusavam-se a processar a informação.
Naquele minuto, tornei-me uma disléxica emocional, um ermita em total reclusão, uma abandonada pela sorte e, enquanto tu falavas com aquela que, aparentemente, outrora houvera sido eu, a sombra de mim tentava equilibrar-se em cima dos saltos que, amaldiçoadamente, naquele dia não usava.No meio de todo aquele celeuma, tentei buscar em mim a razão pela qual cessei a minha existência naquele momento. E, durante a minha busca até ali infundada, os meus olhos inúteis tentavam agarrar uma réstia de qualquer coisa nos teus e nada encontraram. Tão gentil, tão socialmente correcto e aprazível, tão acessível ... tão inacreditavelmente natural. Nem um grão de nervosismo, de embaraço ou de incómodo. Imaculado. E eu, a geralmente forte e inabalável, a tentar agarrar o coração que insistia em descer-me pela dignidade abaixo. Subtilmente, num dos muitos momentos em que te distraíram, consegui apanhar o desgosto, a tristeza, aquela dorzinha aguda, a estranheza e a criança de quatro anos que se agarrava envergonhada às pernas da mãe, que tentavam escapulir-me pelos poros, e estrangulei-as nas mãos que apertava com força dentro dos bolsos.
Só quando vocalizaste a despedida e te começaste a afastar, encontrei a resposta para o que tinha tentado perceber.
Ao dar-te espaço, perdi-te para a realidade. E, apesar da dura evidência, enquanto desaparecias no horizonte, tentei ler-te o andar, como se ele me pudesse contradizer tudo o que tinha acabado de constatar. Fiquei prostrada, lívida e com as unhas marcadas nas palmas das mãos, enquanto tu, de passo firme e decidido, me informavas da minha nulidade em ti e me davas a estranha certeza de ser a última vez que nos cruzávamos.

Shana Andrade

I could use somebody, someone like you*

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Conduzo na mais bela estrada do mundo. O céu está pincelado de cores mágicas, o mar está calmo, sereno. Ouço uma música maravilhosa na rádio. Perfeito. Um fim de dia perfeito.
Propício para pensar demais. E é o que faço. Tenho estado em meditação nos últimos minutos.
"Abdico da minha liberdade, apenas e só, para viver um grande amor." Foi a resposta que te dei ontem. Tenho-a dito várias vezes ao longo destes últimos anos. Brutalmente honesta. Não consigo fazê-lo de outra forma. Nem sei como te explicar melhor. São já tantos anos afastada das relações tradicionais. Não tenho necessidade de um companheiro para as noites frias de solidão, para andar de mão dada, para jantares e idas ao cinema, para fins de semana românticos. A verdade é que não sinto qualquer carência de afectos. Sou muitíssimo feliz. Completa. Preenchida. Espera, não me interpretes mal. Eu não disse que não queria. Eu só não consigo entender uma relação baseada nas faltas que temos. Porque não as tenho. Sou incapaz de manter relações vulgares. Porque eu, volto-te a dizer, eu quero viver uma grande história de Amor.
Mas agora, neste momento de introspecção, nestes instantes em que fumo um cigarro e olho para um mar maravilhoso lá fora, pergunto-me, serei eu realmente capaz me entregar? De verdadeiramente me entregar? Tenho consciência das pessoas especiais a quem nada me dei. E porque eu nunca soube esperar por elas, nunca tiveram qualquer chance. Tinha que ser um agora e já, e nunca foi. Por isso, não farei eu o mesmo contigo? Senão te souber logo protagonista, conseguirei dar-te espaço e tempo? Ou pior, muito pior, se te reconhecer como tal, não me impedirá o medo? Eu que amo a vida a todo o segundo, que mantenho a fé e optimismo, que me dou em amor e amizade, serei eu capaz de amar um homem? Tenho que acreditar que sim. O tempo responderá. Até lá, ligo a ignição e recomeço o meu caminho.
Tenho te a ti à espera. E sabes-me bem.

Ana Almeida

* ao som de "Use somebody" - Kings of Leon

A Máscara

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Olha para o relógio que marca 10:30h e sorri. É uma privilegiada, pois uma grande parte das pessoas já se encontra a trabalhar a essa hora e ela ainda tem todo o tempo do mundo. É senhora e dona das suas horas.
Agarra na caneca de café com leite e vai até à varanda, onde abre a janela e se deixa invadir pelos raios de sol. Um dia de Inverno solarengo. Não tem do que se queixar. Começa a acreditar piamente que o mundo é o que nós queiramos que ele seja. E, apesar de ter um coração desocupado ainda, sente o seu ser radioso de amor para dar. Não sabe quando, nem a quem, mas também não está nem um pouco preocupada com isso.
Olha para a vista que se estende para o rio e encanta-se com os reflexos dos raios de sol na água. Perde-se em contemplação.
De repente, sacode o cabelo e decide estar na altura de se arranjar. Hoje sente-se inspirada. Passados quarenta e cinco minutos, abandona o prédio, inspirando uma grandiosa lufada de ar fresco, e dirige-se ao seu carro, onde dará início à maratona do dia.
Já sentada ao volante, parada num sinal vermelho que teima em demorar mais do que deve, decide olhar-se ao espelho. Fantasia... tudo fantasia. Desde que acordou que resolveu dar lugar a uma das suas muitas personagens. Mas isto cansa-a. Esgota-a.
O sinal abre. Arranca e acende o leitor de música, no qual escolhe uma música qualquer que a faz lembrar sabe-se lá do quê, que se passou ninguém imagina quando. Digo ninguém porque esse é um segredo só dela. Ainda que já tenha sido partilhado, a forma como verdadeiramente o sente ou o recorda, só ela conhece.
E, mais uma vez, o seu “eu” dominante reclama o seu lugar e transporta-a para aquele sítio único onde ninguém, mas rigorosamente ninguém tem acesso permitido. E, sem ser por propositadamente o querer ou desejar, é precisamente nesse milésimo de segundo em que nos distraímos que o mundo a perde.

Shana Andrade

10.1.09

Feiticeira

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Passou as mãos pelo cabelo e lançou-o para trás. Hoje, nem o roçar dos fios na cara aguenta. As vozes são-lhe insuportáveis, parecem milhares de soldados a marcharem-lhe sobre os ouvidos. Apetece-lhe pedir ao mundo silêncio. Porque tem o ser humano a necessidade constante de estar sempre a dizer algo, mesmo quando esse algo não possui qualquer tipo de substância? Hoje gostaria de se entregar ao saboroso abandono do silêncio. Todos os ruídos assumem proporções megalómanas, hoje. Nem o seu cérebro se cala com os sucessivos pedidos de necessidade de shutdown. Não se trata de uma crise existencial, nem de um estado depressivo. Trata-se de pura necessidade de silêncio, de paz, de calma, de tranquilidade. Mas não se pode dar a esse luxo. Ergue-se, reinventa-se, reinicia o seu sistema e prossegue. Nada que já não tenha feito milhares de vezes ao longo da sua existência. E os que a rodeiam nem suspeitam da animosidade interna que se instala entre ela e o mundo que a envolve.
A inviabilidade de ser quem é, quem a torna senão uma anarca de si mesma?
O mundo que a envolve é ela mesma. E é com ela mesma que não está bem e vive em permanente guerra fria. Sabota-se, renuncia, recusa. Recusa a felicidade, o optimismo, o bem-estar. Não conhece nenhum desses sentimentos. Alegria talvez lhe seja o único sentimento que lhe parece familiar porque a efemeridade a transporta.
Está cansada do nada que sente e, por isso, tão facilmente se deixa encantar por outros pequenos nadas que, em tentativas frustradas, tenta acreditar serem tudos. Nada a preenche verdadeiramente porque nada é assim tão bom ou duradouro. É “como uma feiticeira leviana que salta de fogueira em fogueira” à procura da imolação da alma, como alguém um dia a apelidou. Busca noutros o alimento que não consegue retirar de si mesma, busca “paladinos devotos a quem possa conspurcar a fé e abalar as convicções de uma vida, almas puras ou semi-puras”, “alguém que salte do seu cavalo sagrado e se entregue com o mesmo fogo de alma que o movia na sua fé”. Dentro de si, sabe que o que tem para oferecer é sublime e só uma alma mais pura o poderá desfrutar na sua plenitude sem o combater.
Claro que todos nós sabemos, até ela mesma, que morrerá sem o encontrar. Até lá, apenas vai tocando ao de leve num e noutro, marcando a sua diferença. “Como um ferro daqueles que marcam a fogo o gado”, alguém comparou. Onde toca fica a sua marca.
E o seu maior lamento é o facto de isto não ser um dom mas, sim, uma maldição.

P.S.: Citações de retiradas de uma conversa com Malandra
A última citação é da autoria de Sílvia P.

Shana Andrade

7.1.09

Posso?...

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Estou cansada ... tão cansada que não fazes ideia. Só me apetece repousar e sossegar. Achas que me posso valer do teu colo por uns minutos? Bem sei que uma mulher como eu não se deveria rebaixar a tanto. Mas já não quero saber. Já terás visto pior na tua vida, com toda a certeza. Deixa-me só pousar a cabeça no teu peito ou nas tuas pernas. Não fales, não digas nada, nem tão pouco penses. O teu pensamento pode contagiar o meu.
Preciso ser frágil só por uns instantes. Achas que me respeitarás ou admirarás menos por isto? Achas que se assumir a minha fragilidade te assustarás porque passarás a ver-me como igual a todas as outras e deixarás de acreditar na minha capacidade de manter a distância? Sabes?... Também não quero saber. Pensa o que quiseres, estou cansada demais para me preocupar com isso agora. Nada na vida me importaria mais agora do que este sossego de alma. Trago sempre a minha essência demasiadamente agitada e preciso abrandar.
Achas que, juntamente com o teu colo, me poderias agraciar com umas festinhas no meu cabelo? Gosto muito e relaxa-me tanto. Não sabias, não é? Não fazias ideia que me prendesse por tais gostos. Mas prendo. E se isso me torna ridícula, permite-me que mo permita. Este perfeccionismo constante é tão desgastante...
Então? Dás-me permissão para o que te pedi e aceitas ser a testemunha deste meu momento merecidamente ridículo? Acede ao meu pedido. Talvez seja a primeira e única vez que to peça ou que o possas presenciar. E desculpa-me por te expor à minha vulnerabilidade, pois sei que dificilmente te recomporás dela. Ver um titã a pedir colo talvez seja a maior ironia do destino. E eu sou a maior ironia do teu.
Ainda assim, ... posso enroscar-me em ti e perder-me nas horas, no tempo e no espaço, nas convenções, nas expectativas e nas desilusões? Por algum tempo, ajuda-me a volver àquele sítio na minha infância em que podia tudo isto. Em que nada era tido como fraqueza ou desadequado à idade ou à imagem.
Concede-me estes momentos e tens a minha garantia pessoal que, assim que me recompuser, estarei mais fria, dura, segura e mais mulher que nunca. Palavra de Shana.

Shana Andrade

Passion*

Poderia ter sido uma noite igual a tantas outras. Mas não era. E nem a propósito, como que a adornar o momento, uma lua cheia brilhava desafiante no céu.
Depois da animação habitual na pista, o silêncio. A excitação do costume em corpos suados deu lugar à quietude expectante. Retiraram-se para os lugares sentados que antes ocupavam e aguardaram.
No palco iniciava-se o ritual. Primeiro o bater leve das mãos, as palmas que se encostavam uma a outra. Depois o rodopiar de um corpo ao som das castanholas, até que, por fim, os pés bateriam no chão de forma furiosa e dariam início à dança que haveria de enfeitiçar todos os presentes. Dois homens acompanhavam a bailarina. De um deles, o que estava sentado, surgiu o som de dedos a passarem por cordas de guitarra. De outro, que se tinha dirigido para o microfone, emanou um som rouco e profundo que em breve se tornou canção. Ninguém na assistência reconhecia a língua, mas todos sem excepção conseguiam sentir o significado. Um amor tinha sido perdido.

O deles, pensou ela. E disfarçada por entre a multidão de forma a não ser reconhecida, permitiu-se a si mesma recordar o dia em que tudo aconteceu.
Como da primeira vez, seguiu-lhe as mãos, viu-as descer para o peito que se entrevia por entre os botões abertos da camisa negra. Nessa noite, enquanto ele cantava, olharam-se por segundos e foi o suficiente para se saberem um do outro. Quando ele saiu do palco, ela seguiu-lhe o olhar e depois os gestos. Seguiu-o a ele, sem qualquer dúvida que aquele era o caminho certo. Quando voltaram a olhar um para o outro, estavam sozinhos. Ele foi o primeiro a aproximar-se. Ela rendeu-se ao movimento dele. Com a mesma fúria apaixonada com que entoava melodias, arrancou-lhe a roupa do corpo. Ao som da música lá fora conheceram-se. Reconheceram-se. Ela soube. Ele sentiu. Teve medo do que sentiu. Dividiu-se entre o desejo do beijo e a vontade de lhe bater. Queria marcar-lhe a pele. Queria ficar nela para sempre. Era lhe igual.
Ela adormeceu nos braços dele com a certeza que o amava. E que acordaria sozinha na madrugada seguinte. Enganou-se. Ele continuava a abraça-la de manhã. Coube-lhe a ela dizer adeus.
Anos depois, leu o cartaz que o anunciava de volta a cidade. Depois de tanto tempo, o nome dele. O nome. Ali. Ao alcance da mão. Não teve como resistir ao apelo de o voltar a ver.
E nessa noite, enquanto ele contava a história de um amor perdido, ela rezou baixinho para que os olhos de ambos se reencontrassem novamente. Rezou para que pudessem ter mais uma oportunidade. Rezou para finalmente lhe poder dizer ao ouvido que estava marcada para todo o sempre.

Ana Almeida

* Ao som de A MI MANERA - GIPSY KINGS

Pshiuuuu!!!

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Entras e o coração dá um saltinho... pronto, não vamos diminuir o que é. Um salto. Ficas, permaneces. Abro a janela, fecho a janela. Distraio-me. Não, ... tento distrair-me. Espreito. Ainda lá estás. Abro a janela, fecho a janela. Os minutos passam; as horas também. E nada. Será que devo...? Não, melhor não. Torno a espreitar. Ainda lá estás. E eis que te vejo passar de verde a cinzento.
ESPERA!!! Não me deste tempo suficiente! Contagiaste-me com a tua indecisão. Agora sou eu que não tenho coragem. E queria tanto perguntar-te...
Que tens feito ultimamente? Como te sentes? O que vai na tua cabeça nestes últimos tempos? Tens saído? O trabalho como tem corrido? Já conseguiste resolver mais alguma coisa? Tens dormido bem? Tens passeado muito? Já te recompuseste?
Algumas das perguntas que já não posso fazer são as anteriores.
As que não posso nem devo fazer são: O teu status quo mudou mesmo assim tanto? Não sentes nem um bocadinho a minha falta?
O teu silêncio impôs-se. Não tenho capacidade de ultrapassar um muro tão alto. O teu silêncio devorou-me. Quebrou-me as asas. O teu silêncio não me dá o direito de perguntar seja o que for. O teu silêncio que eu tomei como meu matou-me a fala.
E o meu silêncio é apenas pura cobardia disfarçada de respeito a ti.
Nunca me pediste que me calasse. Mas esqueceste-te de me pedir que nunca deixasse de te falar... e foi este o teu maior silêncio.

Shana Andrade

4.1.09

Como ...?

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Confiaste demasiado no meu discernimento e no meu lado racional e esqueceste-te que em mim também habita uma mulher e que essa mulher, tal como todas as outras, tem um lado emocional e irracional.
Gostava de começar por te dizer que o tempo parou quando nos afastámos, que nada me sabe ao mesmo, que o meu sorriso desapareceu, que não sinto vontade de sair da cama e que passo os dias a chorar. Mas estaria a mentir-te. Nada disto aconteceu.
Quando nos afastámos, o tempo não parou, os meus cinco sentidos funcionam como dantes, o meu sorriso continua a manifestar-se, todos os dias me levanto da cama e não passo os dias a chorar. Esta é a verdade. Mas, verdade é também que o apetite diminuiu muito nos primeiros dias e acresceu de forma considerável nestes últimos ... carência, dizem. O sorriso nem sempre é verdadeiro. Por vezes só o uso, como a uma camisola qualquer. Os meus olhos têm estado um pouco mais baços, os suspiros sucedem-se com alguma frequência e, a determinadas horas, recordo os teus passos até mim.
Sinto-te a falta e disto não há como fugir.
Sinto a falta das nossas conversas, da facilidade com que me provocas um sorriso ou uma gargalhada, da maneira como semicerras os olhos quando a claridade está intensa, da forma traquina como sorris e uma sala se enche de sol, dos teus bocejos após o almoço, sinto falta do teu pedaço de pão na gema do meu ovo. Da expectativa que era ver-te ou não chegar, da facilidade com que coras, da tua companhia nocturna, mesmo quando não falamos e sei que estás bem e do teu cheiro. Cheiras-me sempre bem, a fresco, a manhã.
Como se volta o tempo atrás? Como se apaga a estupidez? Como se desfaz um mal-entendido sem quebrar a promessa feita?
Como, como como....???

Shana Andrade

31.12.08

Passagem ...

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Atravessa as dimensões das esferas e chega de mansinho, sem ninguém por ele esperar. Na sua expectativa, enrosco-me e deixo-me levar esperando que ele tudo aligeire, apague e faça esquecer. Como um estado ébrio sem o ser. Como um cérebro perspicaz e nada atento. Como escrever sobre algo sem saber o quê. Como uma essência que não se capta, nem se entende, mas que se sente. Como uma facilidade na execução de uma tarefa, que em vez de alegrar, assusta.
Ele percorre o seu caminho impávido e sereno, implacável até, arrastando consigo memórias infindáveis, sentimentos fortes e marcas. Como quem tenta esquecer a olhar para uma foto. Como quem ri e quer chorar. Como quem dança sem corpo. Como quem ama sem perdoar. Como quem se lança num abismo preso por uma rede de segurança.
Segue o seu trilho e vem até mim, até nós e tenta esbater-nos com toda a calma, pois tempo é o seu nome e ele tem-no de sobra. Impaciência é palavra que não existe no seu vocabulário. Consequência do tempo é expressão que não existe no meu. Pois ele só atenua o que rejeito conscientemente. Não esbate e muito menos apaga.
Mais um ano que acaba. Outro que lhe sucede. E ele segue na sua marcha autónoma e irrecuperável sem se deter com nada. Se essa marcha é rápida ou lenta, fica ao critério de quem o sente passar, pois cada ser é um ser e cada percepção é muito de cada um.
A mim, assusta-me. Não pelo que foi ou pelo que é. Mas pelo que traz. É como um binóculo sem lentes. Como um oráculo que erra. Como um tarot mal interpretado. Como uma arte adivinhatória que se questionou a si mesma. Como um tudo que é um nada.
Mas, a ser optimista... um nada que possa vir a ser um tudo.
Ainda espero ... ainda quero ... ainda desejo ...

Shana Andrade

30.12.08

Adenda à Essência

Ao regressar à escrita neste blog, fizemo-lo da forma mais transparente e honesta possível, com uma outra maturidade e experiência, e por esse motivo, a Star e a Darkness deram lugar aos nossos nomes reais.
Mas depois de tantos comentários que tenho recebido, resolvi ser esta a altura certa para esclarecer algumas questões colocadas.
Facto número Um: Os nossos textos, somos nós, a nossa Essência. Correctissimo.
Facto número Dois: A nossa Essência não se baseia unicamente nas nossas experiências de vida. E esta hein? Nem tudo é real. Somos um todo. A nossa imaginação prodigiosa, as nossas vontades e as nossas fantasias são Essência também.
Facto número Três: Nenhuma das duas encaixa num perfil previsível. A Essência não é um diário. :)

Votos de uma Vida Maravilhosa a todos!

Ana Almeida


Desnuda

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Chego a casa, dispo o casaco e, com ele, a arrogância e a petulância. Sento-me em frente a um imaginário tu e fico a olhar-te. Lentamente, desabotoo os botões da camisa e, com cada um, largo a decepção, a dor e a tristeza . O teu imaginário tu olha-me interrogado. Nada digo. Poiso-te a mão na perna e sossego-te. Não pretendo despir-me da roupa ... mas sim de mim própria, portanto, não te assustes.
Tiro a camisa e atiro-a para o chão e, com ela, arranco-me a insegurança, a angústia e o medo. Preciso desnudar a alma para que vejas como realmente sou. Quem realmente sou, já que palavras não chegaram para que te apercebesses da minha essência.
Descalço as botas de salto alto e, sem brusquidão, deixo-as cair no chão e, com elas, a altivez, a imagem de segurança, as supostas certezas e as minhas verdades absolutas. Mas ainda não é suficiente. Continuas sem perceber quem de facto sou. Apercebo-me pela tua expressão interrogativa. Passo a mão pelo rosto e pelo cabelo do teu imaginário tu. Não me afastas ... mas também não me aceitas na totalidade do que sou.
Levanto-me, abro o fecho da saia e deixo-a escorregar, afastando-a com os pés. Ali fica jazida no soalho. E, com ela, as minhas pretensões, a minha (im)paciência, o meu ar de mulher madura e assertiva. Fico menina.
Volto a sentar-me, pego na tua mão e levo-a ao meu peito para que possas ouvir ... não o meu coração, mas os apelos que o meu “eu” superior te lança. Retrais-te e eu sorrio. Não temas. Não te voltarei a ferir. Nunca mais. Nem tu a mim. Por isso dispo a alma.
Começo a retirar o soutien e, com ele, o anseio, a vontade e o desejo. A imagem da face do teu tu imaginário começa a ficar distorcida. Fecho os olhos e foco-me. Preciso recordar-me, não deixar a lembrança dos teus traços abandonarem a minha memória.
Inclino-me sobre as minhas pernas e começo a desenrolar as meias de seda. Primeiro uma e, com ela, a minha teimosia, a infantilidade e a sensibilidade excessiva. Volto a olhar-te e detenho-me numa qualquer expressão dos teus olhos. Não consigo lembrar-me em que momento preciso a fizeste.
Repito o gesto e retiro a outra meia e, com ela, todo o restante ser que me compôs durante anos, que tantas vezes me salvou, e outras tantas me condenou.
Levanto-me sem olhar para ti e estendo-me na cama. Observo o teu imaginário tu a olhar-me uma última vez e a dirigir-se para a porta. Já não possuis um rosto. Fizeste-me esquecer os traços que te compõem. Levanto-me de repente, pego num algodão e desmaquilhante e desfaço-me de todo o vestígio de maquilhagem. E, com ela, desfaço-me de toda a saudade, solidão e dor.
Olho para trás e vejo-te a ir ... e, contigo, presa a ti, a minha alma esperançosa.
Permaneço inerte, despida de alma e nua. Algures no meu acto, esqueci-me de despir o cansaço e o pânico da rejeição. Ao desistir de ti, acabei por me abandonar a mim.

Shana Andrade

28.12.08

Eu

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Destilo acidez. Envolvo-me em mil capas de veneno e amaldiçoo tudo o que não compreendo ou abomino.
O ser humano enoja-me. A inconsistência do ser humano agonia-me. A capacidade de ludibriar, enganar e tripudiar requer um talento de grande envergadura, que os que tentam trilhar estes caminhos não possuem. Acabam afogados na sua própria merda e de embrulhar nas suas ilusões almas mais puras.
Renego toda a mentira e falsidade com toda a força do meu ser. Nutro um ódio visceral a toda a tentativa de engano e desprezo daqueles que, além de tentarem enganar outros, ainda se tentam enganar a eles mesmos. Pura hipocrisia face à vida.
Retiro as mil capas de veneno e isolo-me. Sofro com o que não reconheço como certo e com o que se me escapa à percepção e ao meu entendimento. Recolho as vísceras que me escaparam no momento em que me agarrei ao ódio para sobreviver e tentar não penar tanto.
Agora posso ser. Agora posso sentir. Ao abominar aqueles que assim o são, acabo por abominar-me a mim também porque me faço à imagem deles. Não porque o queira mas por sobrevivência. Mas não interessa o motivo ou a desculpa. Interessa a consciência que tenho disso e apenas isso. Cometo o erro de desejar ser como “eles”, seres abjectos que nem são, apenas pretendem ser sem o conseguir. Escumalha humana que se limita a desviar e a safar como pode. A minha tristeza resvala e encontro conforto nos poucos seres puros que conheci. Poucos, muito poucos... mas que ainda existem e têm a força e a coragem para se apresentarem puros como são.

Shana Andrade

26.12.08

doomed

I’ve been a beautiful Princess of terror,
Locked in a enviable castle of tritness,
All the poor people pointed in horror,
The fool mistress devoted to vainness.

Fighting away the most awful deamons,
Beheading them and tearing them down,
Fiercefully seizing an old family sword,
One which sustained my invisible crown.

Many long battles bravely I have fought,
Never fearing what the future could bring,
Across the whole land I courageously sought,
The one who’d place in my finger a ring.

So devoted I was to this honourable deed,
I didn´t realize I was being such a fool,
Only to myself I was causing the bleed,
Aiming at others and to me being cruel.

One day my spirit got lose and over me flew
Then the clocks stopped and time stood still,
I’d missed what God in my ears tried to blew
Saddly I had died and no longer could feel.

Shana Andrade

24.12.08

Retórica

Há quanto tempo não te arde o coração?

Perguntas tu e eu não respondo, claro.
A não ser que os meus beijos sejam uma resposta, e eu gostava de acreditar que sim.

Ana Almeida

20.12.08

Quell'attimo di eterno che non c'è...*

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Via na televisão o final do campeonato e não percebia porque não jogavas a titular. Intervalo e nada. Ninguém falava no teu nome. Só os semblantes carregados e muita tristeza no olhar. E eu não entendia.
No final do jogo, depois da vitória, a ida ao microfone. O aviso a todos aqueles que como eu aguardavam notícias. "É com muito pesar que informamos que o atleta faleceu esta tarde quando se dirigiria para.."
A voz continuava, mas eu já não ouvia nada. Nem a voz, nem as perguntas, nem os gritos, não via as lágrimas, o desespero.
Não via mais nada. Não ouvia mais nada. A frase " o atleta faleceu esta tarde.." . E depois, de imediato, a dor. A profunda dor dentro de mim.
Instintivamente, pegava no telemóvel e fazia a chamada. Ouvia-te do outro lado. E voltava a respirar. Mas não eras tu. Ou eras tu, mas já não eras.
Lembro-me de apanhar um avião. De chegar a um outro país e à tua cidade que tantas vezes senti como minha também. Recordo ter me sentido perdida pela primeira vez. E de entender finalmente o tamanho da maldita distância que nos separava. E por fim, de sentir a impotência. A temível impotência.
O velório. As centenas de rostos desconhecidos. Os sentimentos à família que me recebia como sua, solidária no sentimento.
E depois, tu. O mesmo rosto tranquilo. O mesmo corpo apaixonado. Mas tu já não estavas. Ou estavas, mas já não eras tu. Eram os teus olhos, a tua boca, as tuas mãos. Mas não eras tu.
Nunca mais esse olhar me invadiria o pensamento. Perto de ti não precisava de máscaras que me defendessem. Nunca mais te veria atento a tudo o que falava e ao que não dizia também. Perto de ti não existiam barreiras intransponíveis. Nunca mais essas gargalhadas deitariam por terra todas as argumentações. Perto de ti não haviam zangas que resistissem. E nunca, nunca mais, essas mãos me amariam o corpo, me entrelaçariam a alma, me prenderiam o coração. Porque perto de ti era amor também e eu não o sabia.
A despedida. A certeza de um fim naquele instante. E a dor. A imensa dor dentro de mim.

Esta noite sonhei que morrias.
A primeira coisa que fiz ao acordar foi dizer-te o quanto gosto de ti.

Ana Almeida


*Ao som de "Mille Giorni Di Te E Di Me", Claudio Baglioni

19.12.08

Fairy Tails

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Diz-me coisas loucas, sem sentido. Mente-me. Engana-me. Tanto me faz. A verdade é sobrevalorizada.
Fala-me de Amor. Descreve o desejo, a vontade e a paixão.
Diz-me que nunca te sentiste assim. Que nunca foi igual.
Fala-me do sol no meu olhar. Da lua nas nossas mãos.
Diz-me que estamos destinados.
Fala-me de finais felizes. De princesas e príncipes encantados.
Conta-me uma história.
Usa hipérboles ou eufemismos.
Só não compares o que não tem comparação.

Ana Almeida

18.12.08

Conflito

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Ele começou por lhe dizer que não. Não porque não quisesse mas porque não podia. Depois disse sim, talvez, definitivamente não, afinal não era tão definitivamente, quase de certeza, outra vez não, mas era giro se, pensando melhor preferia não arriscar, agora é que ia ser, mas... não, não queria, ela é que o levava ao sim, mas não, mas sim, mas não, mas sim, mas não.............................. .
Leva o tempo que quiseres, meu querido, enquanto eu definho no mar da tua indecisão e do teu conflito interno e morro lentamente e te observo a consumires-te em nadas e perdas de tempo. Não pares para me ver. Não sondes o que queres e não oiças o teu instinto. Não desafies o teu receio. Tapa o sol com a peneira e reveste-te de mil desculpas. Não te deixes nunca ir, meu espécime único que ainda bem que o é ou todos os melhores romances do mundo não teriam sido escritos ou tê-lo-iam sido mas como rotundos fracassos.
Leva o tempo que precisares, meu amor, e vê-me a ir... a ir e a deixar-te para trás enquanto não crias força para estalar essa redoma de vidro na qual vegetas e te recusas a aprender a viver, envolvido em tanto valor e tanto sacrifício e tanta honestidade dissimulada. Fica com o teu medo que eu levo o nosso tesão, a empatia, a diversão, a amizade, a sedução, a animação, o segredo e a mentira só nossa.
Fica que eu vou.



Shana Andrade

E um dia consegues, sabes?

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Um dia acordas de manhã e estranhamente estás sozinha. Não me refiro a uma solidão física, à ausência de um corpo, afinal esse há muito que partiu, estou a falar-te daquela sensação de presença constante, omnipresente, a tal que julgavas entranhada para sempre dentro de ti e que um dia descobres ter partido.
Vives esse dia com a certeza que ele retornará no momento em que menos esperares. Desta vez, não lhe queres dar essa satisfação, desta vez não será avassalador, desta vez, tu vais estar prevenida. Dobras uma esquina qualquer e sabes, desta vez tu sabes, que ele vai lá estar, ele e o sorriso que iria mudar o mundo, o mesmo sorriso que mudou o teu, só que desta vez não serás surpreendida. Vais saber o que dizer, vais ter o gesto certo, vai apaixona-lo sem retorno. Cruzas o prédio com andar seguro, triunfante e, nada. Ele não está. Recomeças o caminho e em todas as esquinas o mesmo processo. E em todas as estradas o mesmo resultado. Nada. Ele não está.
Quando te deitas essa noite, respiras liberdade. Estranho sentimento esse. Não achaste nunca poder voltar a acontecer.

Na manhã seguinte, tudo de novo. Nos dias que se seguem, tudo igual. Até ao momento em que já nem sequer pensas porque não pensas nele.
Os anos passam. O teu corpo já não lhe pertence. Sem culpa. Sem remorsos. E nenhum dos outros fica tempo suficiente para te enredar nas armadilhas do sentimento. Sem esperança. Sem dor.
Mas um dia, tudo muda.

Esse dia, que não vai ter nada de extraordinário, será um dia comum de uma semana indiferente, de um qualquer mês, de um qualquer ano.
Será uma manhã igual a tantas outras não fosse a diferença de despertares nos braços de alguém. E gostares. E gostares muito.
Queres saber o mais curioso? Esse será o instante em que ele retornará ao teu pensamento. Dono e senhor, pronto a reclamar o que sempre lhe pertenceu, o que julga que sempre lhe pertencerá.
Depois de tanto tempo, ele volta, e tu vais saber que nunca chegou a partir. Sentes-te dormente e assumes que sem ele, tens vivido sempre assim. Pela metade. E voltas a ele, voltas a um "nós" e a um passado que nunca o chegou a ser.
E então, quando pensas ter regressado ao amor que nem o tempo, nem a distância, nem a vontade conseguiram terminar, o milagre acontece. Olhas de novo para o corpo adormecido ao teu lado e sorris. Está do lado esquerdo da cama e não te importas. Está do lado esquerdo do peito e não tens medo. Aninhas-te nuns braços que te chamam e agradeces o privilégio de poder voltar a Amar.
E esse será finalmente o dia em que consegues adormecer em paz.

Ana Almeida

17.12.08

(Sempre) De Volta a Ti

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E, mais uma vez volto a ti. Vi um, dois, três, quatro anos passarem e, em cada um deles, voltei sempre a ti. Sempre que tento, que dou uma brecha, sei que é a ti que volto. Quanto mais tento, quanto mais oportunidades dou, mais sei que é ao teu sorriso, ao teu calor, à tua simpatia, a esse dom especial que tens de me fazeres sentir viva que volto.
Em noites como esta, em que preciso desesperadamente sentir-me viva, é aos teus braços, à tua companhia , à tua dança, ao teu hálito quente que volto.
Acusaram-me de não querer largar a tua memória, de não deixar ninguém novo entrar. Abri os portões, escancarei-os e esperei. Muitos espreitaram, um ou dois foram convidados a entrar... mas ninguém ousou. É como se sentissem a hostilidade deste território que já tem dono. Que sempre terá um dono ausente, que não se importa se as ervas daninhas se desenvolvem ao deus dará. Nem os bichos habitam neste território hostil. Só a tua memória que não consigo deixar morrer porque não encontro um adversário à tua altura. E é a ti que volto, outra vez.
Eu tento, sabes? Tento todos os dias, bem certo que em uns dias melhor que nos outros, mas tento. Arrancar-te das minhas memórias e prosseguir para uma nova etapa. E todos os dias voltas a ser a primeira coisa em que penso quando acordo e a última de que me lembro antes de dormir.
Nem sabes o que dava para que não fosse assim. Para que não te fosse tão devota, tão tua. Sou mesmo tua, sabes? Ninguém se dá ao trabalho de sequer tentar aqui chegar, quanto mais de colorir o mundo que deixaste a preto e branco. E, cada vez que me dou conta disso, é a ti que volto. Não há caminho que conheça melhor do que este que já percorri centenas de vezes ao longo destes anos e trago as solas da minha alma gastas de tantas vezes o percorrer.
Quando te foste, ergui muros muito altos, intransponíveis e dediquei-me a sobreviver das cores que ainda subsistiam aqui dentro, cores essas pintadas por ti. Ninguém mais me acha merecedora disso. Ninguém quer investir num animal acuado ou marcado por outro dono. Desci os muros, fui ao chão. E continuo esquecida por lá. Esquecida pelos outros e por mim mesma que, entretanto, voltei a ti.
E nenhum sorriso é o teu sorriso, e nenhum sotaque é o teu sotaque, e nenhuma dança é a tua dança, e nenhum toque é o teu toque e nenhum gostar é o teu e o meu gostar e nenhum caminho é tão fácil de fazer como o meu caminho para ti. E nenhum amor é o meu amor por ti e nenhum coração é tão triste quanto o meu.
E todas a desilusões do mundo me levam, interminavelmente, de volta a ti.

Shana Andrade

16.12.08

...

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Aceitei que irrompesse pela minha vida,
quando sempre jurei que não deixaria nunca
que nenhum homem irrompesse pela minha vida.

Deixei que acontecesse, farta de saber
o que estava a acontecer.
Fica obviamente ridículo, dito assim,
mas as palavras serão sempre de menos.

Ia quase dizer que lhe dei o meu corpo,
a minha cama, a minha ternura, a minha vontade,
ia dizer isto assim
mas chego sempre à conclusão
que não lhe dei nada,
que nos demos, que nos entregámos num momento
e o que se passa é que se calhar
esse momento, esse pequeno momento,
era de facto verdadeiro enquanto vivia.

Rodrigo Guedes de Carvalho, in "Os Pés no Arame"

[Quando as palavras dos outros, falam por nós..]

Ana Almeida

Perdão...

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Senta-te e ouve com atenção.
Navego no mar de uma culpa imposta. Em mim, não há resquício dela. Não me considero amoral, excepto quando me olhas com esses olhos incrédulos, de quem não concebe tal ideia ou de quem me acha louca. Gosto de gozar intensamente tudo o que sinto. Não me permito a ideia de haver donos, nem convenções e, muito menos, verdades absolutas e idolatro a ideia da luxúria, da gula e da vaidade. Nunca almejei a perfeição porque sei que ela não existe, nem em mim, nem em ninguém. Ao contrário de muitos outros, reconheço todos os meus revezes de personalidade... aqueles a que seres comuns como tu apelidam de defeitos.
Quero-te e sinto que tenho que te pedir perdão por isso. Porque não era suposto querer. Porque não contrario, nem sequer tento contrariar o que sinto. Porque deveria fazê-lo?
Perdoa-me ter-me imiscuído no teu mundo e te ter feito olhar para o espelho de forma diferente. Perdoa-me por te plantar um sorriso na cara sempre que falávamos. Perdoa-me por te gostar e aproveitar todos os segundos da tua companhia. Perdoa-me todos os golpes de sedução a que não resisti infligir-te. Perdoa-me por todas as vezes em que te deveria ter recusado a minha presença e não o fiz. Perdoa-me pelo ombro que te dei quando precisavas desabafar e eu aproveitava para me aproximar cada vez mais de ti. Perdoa-me por ter querido e conseguido conhecer-te mais do que aqueles a quem até o permites. Perdoa-me por, inconscientemente, te ter reconhecido qualidades que me levaram a escolher-te como o eleito. Perdoa-me por te ter confundido e baralhado, ao fazer vacilar esse mundo intocável no qual só tu habitas. Perdoa-me por me teres beijado de forma apaixonada e arrebatadora. Perdoa-me por ter sido tão honesta e me ter exposto como fiz. Perdoa-me por te ter contestado e debatido. Perdoa-me por ter trazido à tona aquele teu lado que já nem sabias existir e que tanto receias.
Particularmente, perdoa-me pelo meu toque, pelo meu cheiro, pelos beijos a que correspondi com toda a intensidade, por todas as vezes em que te toquei e também aquelas em que não o fiz, pela forma ansiosa como os nossos olhos se procuram, por cada batida cardíaca mais acelerada e por te ter feito sentir vivo.
Mas, acima de tudo, perdoa-me pela desilusão em que te tornaste, pelo meu súbito silêncio, pelo meu forçado calar de emoções, pelas injustiças que proferiste, pelo tesão que ainda hoje sentes e pela memória em que me tornei sem nunca o ter sido.
Ah! E não te esqueças de me perdoar também por todas as vezes em que no futuro te perguntares: “Como teria sido se tivesse arriscado?”.
Perdoa-me, meu querido, por te ter lançado no turbilhão da minha essência avassaladora e ter tentado tornar-te parte de mim. Reconheci-te o potencial mas falhei no julgamento da tua capacidade de concretização. E, é aqui, que eu não me perdoo.

Shana Andrade

Desencontros

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Abriu a porta e sentiu um vento gelado envolvê-la até aos ossos. Em jeito de resguardo, ajeitou melhor o casaco contra si, subiu as golas e seguiu rua fora tentando não esbarrar na urbe agitada à hora de ponta. Não estava com pressa, antes pelo contrário. Olhou para o céu e encantou-se com o azul índigo mesclado de outros tons de azul e uma ou outra estrela que, timidamente, já espreitava. Seguiu em passo lento observando melhor quem por ela passava. Caras soturnas, cansadas, um sorriso desmaiado aqui e ali, naquela ou noutra face mais jovem.
Lembrou-se do vídeo de música de um artista luso, que canta em inglês, de que tanto gosta. A história de dois seres que seguem na mesma cidade, no seu dia a dia, sentindo a existência um do outro mas nunca se cruzando ou se conhecendo. Desencontros...
Questiona a razão pela qual alguns são privilegiados ao encontrar a sua metade e outros nem por isso. Mas será que a encontram, de facto? Não será antes o caso de quererem acreditar que tal aconteceu? Será que ela realmente existe? Ou é mais uma criação popular, um mito concebido para esperançar as almas perdidas e as devotar na procura de mais um santo gral?
Observa as lojas e apercebe-se da agitação causada pela época do ano. O frenesim de um consumismo extrapolado... opinião sua, já que nunca apreciou a época. Numa montra, uma lingerie bonita. Hesita? Mas para quê? Segue o seu caminho perdida em devaneios. O telemóvel toca. “Não me leves a mal, mas hoje estou cansada. Eu sei que é a terceira recusa mas estou mesmo cansada. Prometo recompensar-te”. Desliga.
Há quem use a dor de cabeça. Ela usa o cansaço. Um escudo como outro qualquer. Nem ela sabe bem porquê. Talvez porque não lhe preenche alma. Talvez porque a tenham matado. Talvez porque a ela tenha renunciado.

Shana Andrade

14.12.08

M.........!

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Resolveu não planear nada porque discursos preparados não eram o seu forte. Queria deixar fluir o discurso e tentar procurar a forma mais simples de lhe fazer entender o que sentia sem roçar, nem ao de leve, o sentimentalismo. O papel de drama queen nunca lhe assentou e não era agora que iria assentar e, aliás, a situação não era de todo digna de sentimentalismo. Dizem que as coisas e as pessoas só têm a importância que lhes atribuímos e esta não era uma situação de sentimentos profundos. Poderia tornar-se, talvez com o tempo e o conhecimento. Mas para já, não.
Iniciou o monólogo (sim, monólogo) com frases simples revestidas de algum humor, talvez por saber que este era o grande salvador de toda a situação catastrófica. Falar de sentimentos nunca é fácil e, cedo, ela se apercebeu que falar de sentimentos superficiais mais difícil é ainda, porque quem ouve tem sempre a tendência de extrapolar o que ouve. Ainda assim, tentou. E tentar foi mesmo só o que conseguiu fazer. Mesmo parecendo que o receptor a tinha captado em condições ideais, tudo tinha sido mal interpretado. De forma prática, descreveu que a atracção que sentia era forte, que achava a pessoa um encanto, possuidora de um sentido de humor extraordinário e pura. Que essa pureza lhe agradava, tal como a sua já um dia tinha agradado a alguém. Que apreciava a sua companhia e todos os momentos desfrutados em conjunto. Que lhe sentia saudades. Enfim, que estava apaixonada .
Erro fatal. Seres do sexo masculino parecem ter um handicap cerebral e emocional com esta palavra e ela, embora sabendo-o, resolveu achar que conseguiria levar a sua avante. Ao que parece, a maioria das mulheres usa esta expressão para se referir a sentimentos mais profundos. Não era o seu caso, que diabos! Mas porque raios se havia ele prendido na expressão e não na sua explicação?
Ela precisava de paixão, mas leia-se tesão arrebatadora, segredo e intensidade, não mensagens e jantares românticos e mãos dadas. Onde é que, exactamente, ela teria dado a entender o contrário? No entanto, o ser que dizia entender a sua explicação, não percebeu foi nada. Usou-a como mais um escudo e revestiu-se com ela. E não, não era nada disso que ela pretendia. Merda para a sua tentativa gorada. Merda para os homens que deram em pensar como gajas emocionais e não concebem a ideia de uma mulher prática que só queira sexo e amizade! Merda! Merda! Merda!
[e merda para as gajas que gostam de se enganar a si mesmas, não concordas Mi? ;))) ]

Shana Andrade

13.12.08

Estou nos braços da Paz..*

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Tenho a tua boca junto à minha. Mas não me tocas. Olhas-me apenas e eu sinto que vou perder esta batalha. Quero-te. Deus, como te quero. Beija-me, penso. E tu ouves-me. Duas bocas. Uma boca apenas.
Aproximas-te devagar, não há pressa agora. Somos nós de novo e eu sei, e tu sabes, que agora é tudo o que interessa.
A tua mão na minha. A minha mão na tua. Olhos nos olhos. As bocas que se reencontram.
Puxas-me para ti. Ouço o bater acelerado do teu coração. O teu peito tão perto do meu. Tão dentro de mim. Tanto que não sei se te ouço, se me ouço.
Suavemente percorres o meu corpo com as mãos, não páras nunca de me olhar, não páras nunca esse beijo que me enreda.
Ardo de desejo. As roupas são já um hóspede indesejado. Eu preciso dessa pele na minha.
Cada milimetro do corpo que exploras, pertence-te. E eu nunca to soube dizer. Hoje sei que não são precisas palavras, quando dois corpos se desejam assim, muito além do prazer.
A tua respiração intensa no meu ouvido. A tua língua, certa, segura. Uns seios que te chamam. A barriga. Desces vagarosamente. Torturas-me e eu não me importo. Venho-me na tua boca. É assim que gostas. Faço-te a vontade. Será a primeira de muitas vontades nossas realizadas esta noite. Olhos nos olhos.
É a minha vez agora de mostrar o quanto te desejo. Tenho te nas mãos. Sinto o descontrolo. Não podes nada contra isto, tenho-te na boca. É nela que te vens. É assim que gosto. Olhos nos olhos.
Ganhas-me pela força, agarras-me os cabelos, puxas-me de novo para esse coração. Esses braços imensos que me apertam. És tão lindo, penso. És tão linda, dizes. Essa boca na minha. Não páras nunca de me olhar, não páras nunca esse beijo que me enreda.
Adivinho o momento que se aproxima. Enquanto entras dentro de mim, eu entro dentro de ti. Somos um só. Os mesmos movimentos. A paixão. A intensidade. A certeza de uma vida à espera deste instante.
Cinco sentidos. Vejo-te. Olho-te. Ouço-te. Cheiro-te. Sinto-te. Temos-nos.
Horas de profundo prazer. E o tempo já não existe. O mundo parou. O mundo somos nós.
Olhos nos olhos. Boca na boca. Mão na mão. É assim que tens vens. Que me venho. Profunda sintonia. Não poderia ser nunca de outra forma. Somos um só.
Não, não digas nada. Não fales. Eu sei o que sentes. Eu sinto o também.
Perdi-me no exacto segundo em que os nossos olhos se cruzaram a primeira vez. Para me reencontrar de novo, recomeçaria tudo outra vez, percorreria todos os caminhos até ti.
Mas não digas nada.
Não quero saber o teu nome.


Ana Almeida

* Ao som de "Gostoso demais", Maria Bethânia

E...?

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Entra, cruza a pista e cumprimenta as amigas e quem conhece. Observa o ambiente, despe o casaco, pede uma bebida e deixa-se guiar pela música. Dança. Sua e dança muito. Vai brincando, sorrindo, rindo e não pensa em mais nada. Ouve o ritmo e o seu corpo segue.
Não está alheia, ao contrário do que possa parecer aos mais incautos. Pouco ou nada lhe passa despercebido. Mas tenta ignorar porque resolveu dar uma folga ao pensamento. Ninguém que lhe agrade, nem à primeira vista. É usual. Prossegue o movimento.
O cérebro esvazia-se em rapidez e intensidade proporcional à sua alma. Uns olhos que a cativam. Uma postura de merda. Alma que desperta; alma que adormece.
E assim segue pela noite fora... vivendo e morrendo a cada minuto.
(caso para dizer: She´s only happy when she´s dancing... and sometimes not even that)

Shana Andrade

11.12.08

Desavergonhadamente Feliz

Perguntas-me porquê e eu respondo-te porque acordo todos os dias.
Não te chega esta resposta, nem a ti, nem a ninguém. Então completo porque tenho saúde e as pessoas que amo também. Olhas para mim à espera de uma conclusão. E não existe.
Questionas-me novamente. Família? Fé? Dinheiro? Qual destes motivos te elevam? Tem que ser um, não, têm que ser todos! Só assim fará sentido. Qual é o teu "segredo"?
E eu não sei como fazer-te entender este imensurável sentimento de felicidade. Tu queres um motivo maior e eu não tenho.
Vou tentar explicar-te..

Cheguei ao patamar máximo da profissão que escolhi. Tenho 29 anos. Abri o meu negócio com 27. É um privilégio que poucos alcançam, mas eu estive sempre no lugar certo, na altura certa. A diferença para a maioria é que eu não deixei escapar nenhuma oportunidade. E não me fales em sorte. Sorte é quando a oportunidade e a preparação se encontram. E esse é o segundo motivo para ter tatuado no corpo a frase "Audaces Fortuna Juvat". E sim, não tenho dúvidas, a Sorte protege os Audazes. Qual é o primeiro motivo? Conto-te mais à frente..
Sentes agora que me compreendes. Sou muito realizada profissionalmente, com compensações financeiras, aí está o motivo que buscavas. Lamento. Sou uma insatisfeita nesta matéria, como provavelmente em muitas outras. Por ter chegado ao fim do caminho, tenho vontade de recomeçar tudo outra vez. Voltar à estaca zero. Lembro-me de mais duas ou três coisas que me dariam igual prazer concretizar. E faço questão de as experimentar a todas. Não me assustam as mudanças. Quanto ao dinheiro, há 10 anos que trabalho por conta própria, há 10 anos que não sei o que são certezas mas com 500 ou 5 na carteira por dia, o sorriso mantém-se.

Fé em Deus? Profunda religiosidade? Não, não a sinto. Não sei se Deus existe ou não, mas se me perguntas se acredito nele, a resposta é não.
Mas acredito no Amor. Nesta imensa e incompreendida palavra, acredito com todo o meu ser! E digo-te mais, quando formos todos capazes de olhar para quem está ao nosso lado e reconhecer uma pessoa igual, independentemente do sexo, da raça, dos credos, da nacionalidade, do status social ou de qualquer outra porcaria que acham que nos define, quando aprendermos a respeitar o outro, a acarinha-lo, quando não tivermos medo de assumir as nossas fraquezas porque só os fortes o conseguem fazer, quando não deixarmos que os sentimentos negativos nos preencham, quando soubermos pedir desculpa, quando soubermos agradecer, então, finalmente, será um triunfo do Amor. E se Deus existir, de certo que se sentirá muito orgulhoso da sua criação. Quanto a mim, da parte que me toca, tenciono ir para o céu e passar o resto da eternidade a fazer-lhe muitas perguntas.
Não me chames idealista. Ou chama-me. Talvez tenhas razão. Afinal "Força do Amor" é a outra frase escrita no meu corpo.
E chegámos ao último dos teus tópicos, a família. Aquela que amo profundamente. Da minha mãe/amiga, procuro manter a inocência que ainda hoje mantém no olhar. A minha mãe ainda acredita e por causa dela eu vou acreditar sempre também. Do meu pai, o meu primeiro e grande amor no masculino, tenho a loucura sã e espero ter obtido parte da sábia inteligência que ele tem. Com o meu caçula, o segundo grande amor no masculino, aprendi que afinal os homens não são assim tão diferentes de nós. Fez-me não ter nunca medo de sentir. A grande vantagem de se ter um irmão com um coração de ouro.
E por fim, e acima de tudo, o meu Amor maior. Com ele aprendi a incondicional capacidade que tenho de amar. Em todos os momentos, sempre, e mais, sempre mais, a cada instante que passa.
Das amizades que tenho, das quais não te falo hoje, digo-te apenas que agradeço a cada dia a existência delas na minha vida. Poucas e insubstituíveis, são elas que me acompanham a todos os momentos e espero do fundo do coração que assim se mantenha até ao fim.

Já divaguei demais.. Perco-me em palavras, provavelmente já te perdeste também. Querias saber porque exalo felicidade. Ainda não entendeste? A felicidade está dentro de mim. É um modo de viajar, não é um destino. Entendes agora?

Sou feliz porque ontem chovia e cheguei a tempo a casa de tirar a roupa que tinha a secar no estendal. Hoje voltou a chover e a roupa molhou-se, e sabes que mais? Que lixe! Sou feliz na mesma!

Ana Almeida

9.12.08

Delírio

Delírio
Cheiro-te. Deslizo o meu nariz pelo teu pescoço e decido que me agradas. Entreabro os lábios e levo comigo um pouco da tua pele... apetece-me lambuzar-te. Sigo o meu percurso pela tua face, até aos teus lábios. Toco-os ao de leve e repuxo-os um pouco. Invado-te a boca sem pedir permissão e conquisto-te a língua. Agrada-me a troca de fluídos.
As minhas mãos teimosas percorrem-te o corpo. Estão indomáveis. Não me apetece pensar, só deixar-me ir e levar-te comigo. Dou por mim a tentar descobrir-te cada canto da boca, dos lábios, do corpo. Deixo-te em tronco nu e entretenho-me nos teus mamilos. Gosto de te provocar. Volto à boca. Sinto-te. Desço as mãos e constato a tua vontade. Dreno-te as forças. Óptimo, porque é assim que aprecio. Deixo-te vulnerável e tento descobrir partes de ti que até tu desconheces.
Envolvo-te com a minha boca como se de um rebuçado te tratasses. Sucumbes. És meu. Naquele minuto, és meu. É só o que me importa. Reduzo-te a espasmos de prazer e nem sabes como amo sentir-te reduzido a meu nada. Pouso uma mão no teu peito e uso a outra em meu auxílio enquanto te abocanho. Garanto-te que o faço com prazer. Contigo sou uma puta. E nem conceberia ser outra coisa qualquer.
Agora, sim. Vem e mostra-me do que és capaz. Entrelaço-te e largo-me à tua mercê. E tu à minha. Até ao fim do combate. Sussurro-te impropérios e obscenidades. A minha boca não conhece limites. Nem o meu pensamento. Já não penso. Sinto. Cravo-te as unhas na pele, gemo e contorço-me.
Acordo.
Deste-te conta de que fui de facto tua, durante este hiato?

Shana Andrade

Faz-de-conta..

Tinhas a pele arrepiada pelo sentimento. Os olhos rasos de contentamento. A vida trazias nas mãos abertas. E o fruto do nosso encontro era uma alma cheia de presente, sem medo do futuro e sem necessidade de olhar o passado.

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Querias-me assim como eu te queria. Eternamente. Que era o mesmo que dizer, enquanto durasse. O nosso eterno era o momento, pleno, e não havia promessas feitas ao entardecer. O que dávamos estava em todos os gestos, em todos os olhares, no encontrar dos corpos. Nada de planos para o futuro, nada de palavras vãs para encher o vazio. Não existia o vazio.
Mas quando olhávamos para nós sentimo-nos cheios de mais. A sonhar o que não podíamos ter uma vida inteira. Não acreditávamos que a vida se desse assim, como uma fruta fresca em pleno verão.
Estranho o destino humano. Tudo o que é bom demais faz-nos afastar, evitar. Nem sequer tocamos com o medo de estragar. Para que nada mude, não chegamos a viver tudo o que se oferece aos nossos olhos. E partimos antes mesmo de chegar.

Ana Teresa Silva


[Não me dei conta em que exacto momento do tempo é que comecei a viver os "faz-de-conta". Eu não era assim. Era inabalável na minha fé. A minha força demolidora. Eu acreditava.
Não, espera, deixa-me corrigir, eu ainda acredito. O que é pior, muito pior, do que não acreditar.
E como explicar-te este medo de viver a perfeição e que ela, ainda assim, acabe?.]

Ana Almeida