10.1.09

Feiticeira

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Passou as mãos pelo cabelo e lançou-o para trás. Hoje, nem o roçar dos fios na cara aguenta. As vozes são-lhe insuportáveis, parecem milhares de soldados a marcharem-lhe sobre os ouvidos. Apetece-lhe pedir ao mundo silêncio. Porque tem o ser humano a necessidade constante de estar sempre a dizer algo, mesmo quando esse algo não possui qualquer tipo de substância? Hoje gostaria de se entregar ao saboroso abandono do silêncio. Todos os ruídos assumem proporções megalómanas, hoje. Nem o seu cérebro se cala com os sucessivos pedidos de necessidade de shutdown. Não se trata de uma crise existencial, nem de um estado depressivo. Trata-se de pura necessidade de silêncio, de paz, de calma, de tranquilidade. Mas não se pode dar a esse luxo. Ergue-se, reinventa-se, reinicia o seu sistema e prossegue. Nada que já não tenha feito milhares de vezes ao longo da sua existência. E os que a rodeiam nem suspeitam da animosidade interna que se instala entre ela e o mundo que a envolve.
A inviabilidade de ser quem é, quem a torna senão uma anarca de si mesma?
O mundo que a envolve é ela mesma. E é com ela mesma que não está bem e vive em permanente guerra fria. Sabota-se, renuncia, recusa. Recusa a felicidade, o optimismo, o bem-estar. Não conhece nenhum desses sentimentos. Alegria talvez lhe seja o único sentimento que lhe parece familiar porque a efemeridade a transporta.
Está cansada do nada que sente e, por isso, tão facilmente se deixa encantar por outros pequenos nadas que, em tentativas frustradas, tenta acreditar serem tudos. Nada a preenche verdadeiramente porque nada é assim tão bom ou duradouro. É “como uma feiticeira leviana que salta de fogueira em fogueira” à procura da imolação da alma, como alguém um dia a apelidou. Busca noutros o alimento que não consegue retirar de si mesma, busca “paladinos devotos a quem possa conspurcar a fé e abalar as convicções de uma vida, almas puras ou semi-puras”, “alguém que salte do seu cavalo sagrado e se entregue com o mesmo fogo de alma que o movia na sua fé”. Dentro de si, sabe que o que tem para oferecer é sublime e só uma alma mais pura o poderá desfrutar na sua plenitude sem o combater.
Claro que todos nós sabemos, até ela mesma, que morrerá sem o encontrar. Até lá, apenas vai tocando ao de leve num e noutro, marcando a sua diferença. “Como um ferro daqueles que marcam a fogo o gado”, alguém comparou. Onde toca fica a sua marca.
E o seu maior lamento é o facto de isto não ser um dom mas, sim, uma maldição.

P.S.: Citações de retiradas de uma conversa com Malandra
A última citação é da autoria de Sílvia P.

Shana Andrade

1 comentário:

Anónimo disse...

“paladinos devotos a quem possa conspurcar a fé e abalar as convicções de uma vida.."
Ainda não tinha chegado ao fim e já lhe chamava Malandra! ;)