16.12.08

Desencontros

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Abriu a porta e sentiu um vento gelado envolvê-la até aos ossos. Em jeito de resguardo, ajeitou melhor o casaco contra si, subiu as golas e seguiu rua fora tentando não esbarrar na urbe agitada à hora de ponta. Não estava com pressa, antes pelo contrário. Olhou para o céu e encantou-se com o azul índigo mesclado de outros tons de azul e uma ou outra estrela que, timidamente, já espreitava. Seguiu em passo lento observando melhor quem por ela passava. Caras soturnas, cansadas, um sorriso desmaiado aqui e ali, naquela ou noutra face mais jovem.
Lembrou-se do vídeo de música de um artista luso, que canta em inglês, de que tanto gosta. A história de dois seres que seguem na mesma cidade, no seu dia a dia, sentindo a existência um do outro mas nunca se cruzando ou se conhecendo. Desencontros...
Questiona a razão pela qual alguns são privilegiados ao encontrar a sua metade e outros nem por isso. Mas será que a encontram, de facto? Não será antes o caso de quererem acreditar que tal aconteceu? Será que ela realmente existe? Ou é mais uma criação popular, um mito concebido para esperançar as almas perdidas e as devotar na procura de mais um santo gral?
Observa as lojas e apercebe-se da agitação causada pela época do ano. O frenesim de um consumismo extrapolado... opinião sua, já que nunca apreciou a época. Numa montra, uma lingerie bonita. Hesita? Mas para quê? Segue o seu caminho perdida em devaneios. O telemóvel toca. “Não me leves a mal, mas hoje estou cansada. Eu sei que é a terceira recusa mas estou mesmo cansada. Prometo recompensar-te”. Desliga.
Há quem use a dor de cabeça. Ela usa o cansaço. Um escudo como outro qualquer. Nem ela sabe bem porquê. Talvez porque não lhe preenche alma. Talvez porque a tenham matado. Talvez porque a ela tenha renunciado.

Shana Andrade

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