30.12.08

Desnuda

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Chego a casa, dispo o casaco e, com ele, a arrogância e a petulância. Sento-me em frente a um imaginário tu e fico a olhar-te. Lentamente, desabotoo os botões da camisa e, com cada um, largo a decepção, a dor e a tristeza . O teu imaginário tu olha-me interrogado. Nada digo. Poiso-te a mão na perna e sossego-te. Não pretendo despir-me da roupa ... mas sim de mim própria, portanto, não te assustes.
Tiro a camisa e atiro-a para o chão e, com ela, arranco-me a insegurança, a angústia e o medo. Preciso desnudar a alma para que vejas como realmente sou. Quem realmente sou, já que palavras não chegaram para que te apercebesses da minha essência.
Descalço as botas de salto alto e, sem brusquidão, deixo-as cair no chão e, com elas, a altivez, a imagem de segurança, as supostas certezas e as minhas verdades absolutas. Mas ainda não é suficiente. Continuas sem perceber quem de facto sou. Apercebo-me pela tua expressão interrogativa. Passo a mão pelo rosto e pelo cabelo do teu imaginário tu. Não me afastas ... mas também não me aceitas na totalidade do que sou.
Levanto-me, abro o fecho da saia e deixo-a escorregar, afastando-a com os pés. Ali fica jazida no soalho. E, com ela, as minhas pretensões, a minha (im)paciência, o meu ar de mulher madura e assertiva. Fico menina.
Volto a sentar-me, pego na tua mão e levo-a ao meu peito para que possas ouvir ... não o meu coração, mas os apelos que o meu “eu” superior te lança. Retrais-te e eu sorrio. Não temas. Não te voltarei a ferir. Nunca mais. Nem tu a mim. Por isso dispo a alma.
Começo a retirar o soutien e, com ele, o anseio, a vontade e o desejo. A imagem da face do teu tu imaginário começa a ficar distorcida. Fecho os olhos e foco-me. Preciso recordar-me, não deixar a lembrança dos teus traços abandonarem a minha memória.
Inclino-me sobre as minhas pernas e começo a desenrolar as meias de seda. Primeiro uma e, com ela, a minha teimosia, a infantilidade e a sensibilidade excessiva. Volto a olhar-te e detenho-me numa qualquer expressão dos teus olhos. Não consigo lembrar-me em que momento preciso a fizeste.
Repito o gesto e retiro a outra meia e, com ela, todo o restante ser que me compôs durante anos, que tantas vezes me salvou, e outras tantas me condenou.
Levanto-me sem olhar para ti e estendo-me na cama. Observo o teu imaginário tu a olhar-me uma última vez e a dirigir-se para a porta. Já não possuis um rosto. Fizeste-me esquecer os traços que te compõem. Levanto-me de repente, pego num algodão e desmaquilhante e desfaço-me de todo o vestígio de maquilhagem. E, com ela, desfaço-me de toda a saudade, solidão e dor.
Olho para trás e vejo-te a ir ... e, contigo, presa a ti, a minha alma esperançosa.
Permaneço inerte, despida de alma e nua. Algures no meu acto, esqueci-me de despir o cansaço e o pânico da rejeição. Ao desistir de ti, acabei por me abandonar a mim.

Shana Andrade

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