31.12.08

Passagem ...

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Atravessa as dimensões das esferas e chega de mansinho, sem ninguém por ele esperar. Na sua expectativa, enrosco-me e deixo-me levar esperando que ele tudo aligeire, apague e faça esquecer. Como um estado ébrio sem o ser. Como um cérebro perspicaz e nada atento. Como escrever sobre algo sem saber o quê. Como uma essência que não se capta, nem se entende, mas que se sente. Como uma facilidade na execução de uma tarefa, que em vez de alegrar, assusta.
Ele percorre o seu caminho impávido e sereno, implacável até, arrastando consigo memórias infindáveis, sentimentos fortes e marcas. Como quem tenta esquecer a olhar para uma foto. Como quem ri e quer chorar. Como quem dança sem corpo. Como quem ama sem perdoar. Como quem se lança num abismo preso por uma rede de segurança.
Segue o seu trilho e vem até mim, até nós e tenta esbater-nos com toda a calma, pois tempo é o seu nome e ele tem-no de sobra. Impaciência é palavra que não existe no seu vocabulário. Consequência do tempo é expressão que não existe no meu. Pois ele só atenua o que rejeito conscientemente. Não esbate e muito menos apaga.
Mais um ano que acaba. Outro que lhe sucede. E ele segue na sua marcha autónoma e irrecuperável sem se deter com nada. Se essa marcha é rápida ou lenta, fica ao critério de quem o sente passar, pois cada ser é um ser e cada percepção é muito de cada um.
A mim, assusta-me. Não pelo que foi ou pelo que é. Mas pelo que traz. É como um binóculo sem lentes. Como um oráculo que erra. Como um tarot mal interpretado. Como uma arte adivinhatória que se questionou a si mesma. Como um tudo que é um nada.
Mas, a ser optimista... um nada que possa vir a ser um tudo.
Ainda espero ... ainda quero ... ainda desejo ...

Shana Andrade

30.12.08

Adenda à Essência

Ao regressar à escrita neste blog, fizemo-lo da forma mais transparente e honesta possível, com uma outra maturidade e experiência, e por esse motivo, a Star e a Darkness deram lugar aos nossos nomes reais.
Mas depois de tantos comentários que tenho recebido, resolvi ser esta a altura certa para esclarecer algumas questões colocadas.
Facto número Um: Os nossos textos, somos nós, a nossa Essência. Correctissimo.
Facto número Dois: A nossa Essência não se baseia unicamente nas nossas experiências de vida. E esta hein? Nem tudo é real. Somos um todo. A nossa imaginação prodigiosa, as nossas vontades e as nossas fantasias são Essência também.
Facto número Três: Nenhuma das duas encaixa num perfil previsível. A Essência não é um diário. :)

Votos de uma Vida Maravilhosa a todos!

Ana Almeida


Desnuda

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Chego a casa, dispo o casaco e, com ele, a arrogância e a petulância. Sento-me em frente a um imaginário tu e fico a olhar-te. Lentamente, desabotoo os botões da camisa e, com cada um, largo a decepção, a dor e a tristeza . O teu imaginário tu olha-me interrogado. Nada digo. Poiso-te a mão na perna e sossego-te. Não pretendo despir-me da roupa ... mas sim de mim própria, portanto, não te assustes.
Tiro a camisa e atiro-a para o chão e, com ela, arranco-me a insegurança, a angústia e o medo. Preciso desnudar a alma para que vejas como realmente sou. Quem realmente sou, já que palavras não chegaram para que te apercebesses da minha essência.
Descalço as botas de salto alto e, sem brusquidão, deixo-as cair no chão e, com elas, a altivez, a imagem de segurança, as supostas certezas e as minhas verdades absolutas. Mas ainda não é suficiente. Continuas sem perceber quem de facto sou. Apercebo-me pela tua expressão interrogativa. Passo a mão pelo rosto e pelo cabelo do teu imaginário tu. Não me afastas ... mas também não me aceitas na totalidade do que sou.
Levanto-me, abro o fecho da saia e deixo-a escorregar, afastando-a com os pés. Ali fica jazida no soalho. E, com ela, as minhas pretensões, a minha (im)paciência, o meu ar de mulher madura e assertiva. Fico menina.
Volto a sentar-me, pego na tua mão e levo-a ao meu peito para que possas ouvir ... não o meu coração, mas os apelos que o meu “eu” superior te lança. Retrais-te e eu sorrio. Não temas. Não te voltarei a ferir. Nunca mais. Nem tu a mim. Por isso dispo a alma.
Começo a retirar o soutien e, com ele, o anseio, a vontade e o desejo. A imagem da face do teu tu imaginário começa a ficar distorcida. Fecho os olhos e foco-me. Preciso recordar-me, não deixar a lembrança dos teus traços abandonarem a minha memória.
Inclino-me sobre as minhas pernas e começo a desenrolar as meias de seda. Primeiro uma e, com ela, a minha teimosia, a infantilidade e a sensibilidade excessiva. Volto a olhar-te e detenho-me numa qualquer expressão dos teus olhos. Não consigo lembrar-me em que momento preciso a fizeste.
Repito o gesto e retiro a outra meia e, com ela, todo o restante ser que me compôs durante anos, que tantas vezes me salvou, e outras tantas me condenou.
Levanto-me sem olhar para ti e estendo-me na cama. Observo o teu imaginário tu a olhar-me uma última vez e a dirigir-se para a porta. Já não possuis um rosto. Fizeste-me esquecer os traços que te compõem. Levanto-me de repente, pego num algodão e desmaquilhante e desfaço-me de todo o vestígio de maquilhagem. E, com ela, desfaço-me de toda a saudade, solidão e dor.
Olho para trás e vejo-te a ir ... e, contigo, presa a ti, a minha alma esperançosa.
Permaneço inerte, despida de alma e nua. Algures no meu acto, esqueci-me de despir o cansaço e o pânico da rejeição. Ao desistir de ti, acabei por me abandonar a mim.

Shana Andrade

28.12.08

Eu

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Destilo acidez. Envolvo-me em mil capas de veneno e amaldiçoo tudo o que não compreendo ou abomino.
O ser humano enoja-me. A inconsistência do ser humano agonia-me. A capacidade de ludibriar, enganar e tripudiar requer um talento de grande envergadura, que os que tentam trilhar estes caminhos não possuem. Acabam afogados na sua própria merda e de embrulhar nas suas ilusões almas mais puras.
Renego toda a mentira e falsidade com toda a força do meu ser. Nutro um ódio visceral a toda a tentativa de engano e desprezo daqueles que, além de tentarem enganar outros, ainda se tentam enganar a eles mesmos. Pura hipocrisia face à vida.
Retiro as mil capas de veneno e isolo-me. Sofro com o que não reconheço como certo e com o que se me escapa à percepção e ao meu entendimento. Recolho as vísceras que me escaparam no momento em que me agarrei ao ódio para sobreviver e tentar não penar tanto.
Agora posso ser. Agora posso sentir. Ao abominar aqueles que assim o são, acabo por abominar-me a mim também porque me faço à imagem deles. Não porque o queira mas por sobrevivência. Mas não interessa o motivo ou a desculpa. Interessa a consciência que tenho disso e apenas isso. Cometo o erro de desejar ser como “eles”, seres abjectos que nem são, apenas pretendem ser sem o conseguir. Escumalha humana que se limita a desviar e a safar como pode. A minha tristeza resvala e encontro conforto nos poucos seres puros que conheci. Poucos, muito poucos... mas que ainda existem e têm a força e a coragem para se apresentarem puros como são.

Shana Andrade

26.12.08

doomed

I’ve been a beautiful Princess of terror,
Locked in a enviable castle of tritness,
All the poor people pointed in horror,
The fool mistress devoted to vainness.

Fighting away the most awful deamons,
Beheading them and tearing them down,
Fiercefully seizing an old family sword,
One which sustained my invisible crown.

Many long battles bravely I have fought,
Never fearing what the future could bring,
Across the whole land I courageously sought,
The one who’d place in my finger a ring.

So devoted I was to this honourable deed,
I didn´t realize I was being such a fool,
Only to myself I was causing the bleed,
Aiming at others and to me being cruel.

One day my spirit got lose and over me flew
Then the clocks stopped and time stood still,
I’d missed what God in my ears tried to blew
Saddly I had died and no longer could feel.

Shana Andrade

24.12.08

Retórica

Há quanto tempo não te arde o coração?

Perguntas tu e eu não respondo, claro.
A não ser que os meus beijos sejam uma resposta, e eu gostava de acreditar que sim.

Ana Almeida

20.12.08

Quell'attimo di eterno che non c'è...*

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Via na televisão o final do campeonato e não percebia porque não jogavas a titular. Intervalo e nada. Ninguém falava no teu nome. Só os semblantes carregados e muita tristeza no olhar. E eu não entendia.
No final do jogo, depois da vitória, a ida ao microfone. O aviso a todos aqueles que como eu aguardavam notícias. "É com muito pesar que informamos que o atleta faleceu esta tarde quando se dirigiria para.."
A voz continuava, mas eu já não ouvia nada. Nem a voz, nem as perguntas, nem os gritos, não via as lágrimas, o desespero.
Não via mais nada. Não ouvia mais nada. A frase " o atleta faleceu esta tarde.." . E depois, de imediato, a dor. A profunda dor dentro de mim.
Instintivamente, pegava no telemóvel e fazia a chamada. Ouvia-te do outro lado. E voltava a respirar. Mas não eras tu. Ou eras tu, mas já não eras.
Lembro-me de apanhar um avião. De chegar a um outro país e à tua cidade que tantas vezes senti como minha também. Recordo ter me sentido perdida pela primeira vez. E de entender finalmente o tamanho da maldita distância que nos separava. E por fim, de sentir a impotência. A temível impotência.
O velório. As centenas de rostos desconhecidos. Os sentimentos à família que me recebia como sua, solidária no sentimento.
E depois, tu. O mesmo rosto tranquilo. O mesmo corpo apaixonado. Mas tu já não estavas. Ou estavas, mas já não eras tu. Eram os teus olhos, a tua boca, as tuas mãos. Mas não eras tu.
Nunca mais esse olhar me invadiria o pensamento. Perto de ti não precisava de máscaras que me defendessem. Nunca mais te veria atento a tudo o que falava e ao que não dizia também. Perto de ti não existiam barreiras intransponíveis. Nunca mais essas gargalhadas deitariam por terra todas as argumentações. Perto de ti não haviam zangas que resistissem. E nunca, nunca mais, essas mãos me amariam o corpo, me entrelaçariam a alma, me prenderiam o coração. Porque perto de ti era amor também e eu não o sabia.
A despedida. A certeza de um fim naquele instante. E a dor. A imensa dor dentro de mim.

Esta noite sonhei que morrias.
A primeira coisa que fiz ao acordar foi dizer-te o quanto gosto de ti.

Ana Almeida


*Ao som de "Mille Giorni Di Te E Di Me", Claudio Baglioni

19.12.08

Fairy Tails

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Diz-me coisas loucas, sem sentido. Mente-me. Engana-me. Tanto me faz. A verdade é sobrevalorizada.
Fala-me de Amor. Descreve o desejo, a vontade e a paixão.
Diz-me que nunca te sentiste assim. Que nunca foi igual.
Fala-me do sol no meu olhar. Da lua nas nossas mãos.
Diz-me que estamos destinados.
Fala-me de finais felizes. De princesas e príncipes encantados.
Conta-me uma história.
Usa hipérboles ou eufemismos.
Só não compares o que não tem comparação.

Ana Almeida

18.12.08

Conflito

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Ele começou por lhe dizer que não. Não porque não quisesse mas porque não podia. Depois disse sim, talvez, definitivamente não, afinal não era tão definitivamente, quase de certeza, outra vez não, mas era giro se, pensando melhor preferia não arriscar, agora é que ia ser, mas... não, não queria, ela é que o levava ao sim, mas não, mas sim, mas não, mas sim, mas não.............................. .
Leva o tempo que quiseres, meu querido, enquanto eu definho no mar da tua indecisão e do teu conflito interno e morro lentamente e te observo a consumires-te em nadas e perdas de tempo. Não pares para me ver. Não sondes o que queres e não oiças o teu instinto. Não desafies o teu receio. Tapa o sol com a peneira e reveste-te de mil desculpas. Não te deixes nunca ir, meu espécime único que ainda bem que o é ou todos os melhores romances do mundo não teriam sido escritos ou tê-lo-iam sido mas como rotundos fracassos.
Leva o tempo que precisares, meu amor, e vê-me a ir... a ir e a deixar-te para trás enquanto não crias força para estalar essa redoma de vidro na qual vegetas e te recusas a aprender a viver, envolvido em tanto valor e tanto sacrifício e tanta honestidade dissimulada. Fica com o teu medo que eu levo o nosso tesão, a empatia, a diversão, a amizade, a sedução, a animação, o segredo e a mentira só nossa.
Fica que eu vou.



Shana Andrade

E um dia consegues, sabes?

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Um dia acordas de manhã e estranhamente estás sozinha. Não me refiro a uma solidão física, à ausência de um corpo, afinal esse há muito que partiu, estou a falar-te daquela sensação de presença constante, omnipresente, a tal que julgavas entranhada para sempre dentro de ti e que um dia descobres ter partido.
Vives esse dia com a certeza que ele retornará no momento em que menos esperares. Desta vez, não lhe queres dar essa satisfação, desta vez não será avassalador, desta vez, tu vais estar prevenida. Dobras uma esquina qualquer e sabes, desta vez tu sabes, que ele vai lá estar, ele e o sorriso que iria mudar o mundo, o mesmo sorriso que mudou o teu, só que desta vez não serás surpreendida. Vais saber o que dizer, vais ter o gesto certo, vai apaixona-lo sem retorno. Cruzas o prédio com andar seguro, triunfante e, nada. Ele não está. Recomeças o caminho e em todas as esquinas o mesmo processo. E em todas as estradas o mesmo resultado. Nada. Ele não está.
Quando te deitas essa noite, respiras liberdade. Estranho sentimento esse. Não achaste nunca poder voltar a acontecer.

Na manhã seguinte, tudo de novo. Nos dias que se seguem, tudo igual. Até ao momento em que já nem sequer pensas porque não pensas nele.
Os anos passam. O teu corpo já não lhe pertence. Sem culpa. Sem remorsos. E nenhum dos outros fica tempo suficiente para te enredar nas armadilhas do sentimento. Sem esperança. Sem dor.
Mas um dia, tudo muda.

Esse dia, que não vai ter nada de extraordinário, será um dia comum de uma semana indiferente, de um qualquer mês, de um qualquer ano.
Será uma manhã igual a tantas outras não fosse a diferença de despertares nos braços de alguém. E gostares. E gostares muito.
Queres saber o mais curioso? Esse será o instante em que ele retornará ao teu pensamento. Dono e senhor, pronto a reclamar o que sempre lhe pertenceu, o que julga que sempre lhe pertencerá.
Depois de tanto tempo, ele volta, e tu vais saber que nunca chegou a partir. Sentes-te dormente e assumes que sem ele, tens vivido sempre assim. Pela metade. E voltas a ele, voltas a um "nós" e a um passado que nunca o chegou a ser.
E então, quando pensas ter regressado ao amor que nem o tempo, nem a distância, nem a vontade conseguiram terminar, o milagre acontece. Olhas de novo para o corpo adormecido ao teu lado e sorris. Está do lado esquerdo da cama e não te importas. Está do lado esquerdo do peito e não tens medo. Aninhas-te nuns braços que te chamam e agradeces o privilégio de poder voltar a Amar.
E esse será finalmente o dia em que consegues adormecer em paz.

Ana Almeida

17.12.08

(Sempre) De Volta a Ti

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E, mais uma vez volto a ti. Vi um, dois, três, quatro anos passarem e, em cada um deles, voltei sempre a ti. Sempre que tento, que dou uma brecha, sei que é a ti que volto. Quanto mais tento, quanto mais oportunidades dou, mais sei que é ao teu sorriso, ao teu calor, à tua simpatia, a esse dom especial que tens de me fazeres sentir viva que volto.
Em noites como esta, em que preciso desesperadamente sentir-me viva, é aos teus braços, à tua companhia , à tua dança, ao teu hálito quente que volto.
Acusaram-me de não querer largar a tua memória, de não deixar ninguém novo entrar. Abri os portões, escancarei-os e esperei. Muitos espreitaram, um ou dois foram convidados a entrar... mas ninguém ousou. É como se sentissem a hostilidade deste território que já tem dono. Que sempre terá um dono ausente, que não se importa se as ervas daninhas se desenvolvem ao deus dará. Nem os bichos habitam neste território hostil. Só a tua memória que não consigo deixar morrer porque não encontro um adversário à tua altura. E é a ti que volto, outra vez.
Eu tento, sabes? Tento todos os dias, bem certo que em uns dias melhor que nos outros, mas tento. Arrancar-te das minhas memórias e prosseguir para uma nova etapa. E todos os dias voltas a ser a primeira coisa em que penso quando acordo e a última de que me lembro antes de dormir.
Nem sabes o que dava para que não fosse assim. Para que não te fosse tão devota, tão tua. Sou mesmo tua, sabes? Ninguém se dá ao trabalho de sequer tentar aqui chegar, quanto mais de colorir o mundo que deixaste a preto e branco. E, cada vez que me dou conta disso, é a ti que volto. Não há caminho que conheça melhor do que este que já percorri centenas de vezes ao longo destes anos e trago as solas da minha alma gastas de tantas vezes o percorrer.
Quando te foste, ergui muros muito altos, intransponíveis e dediquei-me a sobreviver das cores que ainda subsistiam aqui dentro, cores essas pintadas por ti. Ninguém mais me acha merecedora disso. Ninguém quer investir num animal acuado ou marcado por outro dono. Desci os muros, fui ao chão. E continuo esquecida por lá. Esquecida pelos outros e por mim mesma que, entretanto, voltei a ti.
E nenhum sorriso é o teu sorriso, e nenhum sotaque é o teu sotaque, e nenhuma dança é a tua dança, e nenhum toque é o teu toque e nenhum gostar é o teu e o meu gostar e nenhum caminho é tão fácil de fazer como o meu caminho para ti. E nenhum amor é o meu amor por ti e nenhum coração é tão triste quanto o meu.
E todas a desilusões do mundo me levam, interminavelmente, de volta a ti.

Shana Andrade

16.12.08

...

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Aceitei que irrompesse pela minha vida,
quando sempre jurei que não deixaria nunca
que nenhum homem irrompesse pela minha vida.

Deixei que acontecesse, farta de saber
o que estava a acontecer.
Fica obviamente ridículo, dito assim,
mas as palavras serão sempre de menos.

Ia quase dizer que lhe dei o meu corpo,
a minha cama, a minha ternura, a minha vontade,
ia dizer isto assim
mas chego sempre à conclusão
que não lhe dei nada,
que nos demos, que nos entregámos num momento
e o que se passa é que se calhar
esse momento, esse pequeno momento,
era de facto verdadeiro enquanto vivia.

Rodrigo Guedes de Carvalho, in "Os Pés no Arame"

[Quando as palavras dos outros, falam por nós..]

Ana Almeida

Perdão...

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Senta-te e ouve com atenção.
Navego no mar de uma culpa imposta. Em mim, não há resquício dela. Não me considero amoral, excepto quando me olhas com esses olhos incrédulos, de quem não concebe tal ideia ou de quem me acha louca. Gosto de gozar intensamente tudo o que sinto. Não me permito a ideia de haver donos, nem convenções e, muito menos, verdades absolutas e idolatro a ideia da luxúria, da gula e da vaidade. Nunca almejei a perfeição porque sei que ela não existe, nem em mim, nem em ninguém. Ao contrário de muitos outros, reconheço todos os meus revezes de personalidade... aqueles a que seres comuns como tu apelidam de defeitos.
Quero-te e sinto que tenho que te pedir perdão por isso. Porque não era suposto querer. Porque não contrario, nem sequer tento contrariar o que sinto. Porque deveria fazê-lo?
Perdoa-me ter-me imiscuído no teu mundo e te ter feito olhar para o espelho de forma diferente. Perdoa-me por te plantar um sorriso na cara sempre que falávamos. Perdoa-me por te gostar e aproveitar todos os segundos da tua companhia. Perdoa-me todos os golpes de sedução a que não resisti infligir-te. Perdoa-me por todas as vezes em que te deveria ter recusado a minha presença e não o fiz. Perdoa-me pelo ombro que te dei quando precisavas desabafar e eu aproveitava para me aproximar cada vez mais de ti. Perdoa-me por ter querido e conseguido conhecer-te mais do que aqueles a quem até o permites. Perdoa-me por, inconscientemente, te ter reconhecido qualidades que me levaram a escolher-te como o eleito. Perdoa-me por te ter confundido e baralhado, ao fazer vacilar esse mundo intocável no qual só tu habitas. Perdoa-me por me teres beijado de forma apaixonada e arrebatadora. Perdoa-me por ter sido tão honesta e me ter exposto como fiz. Perdoa-me por te ter contestado e debatido. Perdoa-me por ter trazido à tona aquele teu lado que já nem sabias existir e que tanto receias.
Particularmente, perdoa-me pelo meu toque, pelo meu cheiro, pelos beijos a que correspondi com toda a intensidade, por todas as vezes em que te toquei e também aquelas em que não o fiz, pela forma ansiosa como os nossos olhos se procuram, por cada batida cardíaca mais acelerada e por te ter feito sentir vivo.
Mas, acima de tudo, perdoa-me pela desilusão em que te tornaste, pelo meu súbito silêncio, pelo meu forçado calar de emoções, pelas injustiças que proferiste, pelo tesão que ainda hoje sentes e pela memória em que me tornei sem nunca o ter sido.
Ah! E não te esqueças de me perdoar também por todas as vezes em que no futuro te perguntares: “Como teria sido se tivesse arriscado?”.
Perdoa-me, meu querido, por te ter lançado no turbilhão da minha essência avassaladora e ter tentado tornar-te parte de mim. Reconheci-te o potencial mas falhei no julgamento da tua capacidade de concretização. E, é aqui, que eu não me perdoo.

Shana Andrade

Desencontros

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Abriu a porta e sentiu um vento gelado envolvê-la até aos ossos. Em jeito de resguardo, ajeitou melhor o casaco contra si, subiu as golas e seguiu rua fora tentando não esbarrar na urbe agitada à hora de ponta. Não estava com pressa, antes pelo contrário. Olhou para o céu e encantou-se com o azul índigo mesclado de outros tons de azul e uma ou outra estrela que, timidamente, já espreitava. Seguiu em passo lento observando melhor quem por ela passava. Caras soturnas, cansadas, um sorriso desmaiado aqui e ali, naquela ou noutra face mais jovem.
Lembrou-se do vídeo de música de um artista luso, que canta em inglês, de que tanto gosta. A história de dois seres que seguem na mesma cidade, no seu dia a dia, sentindo a existência um do outro mas nunca se cruzando ou se conhecendo. Desencontros...
Questiona a razão pela qual alguns são privilegiados ao encontrar a sua metade e outros nem por isso. Mas será que a encontram, de facto? Não será antes o caso de quererem acreditar que tal aconteceu? Será que ela realmente existe? Ou é mais uma criação popular, um mito concebido para esperançar as almas perdidas e as devotar na procura de mais um santo gral?
Observa as lojas e apercebe-se da agitação causada pela época do ano. O frenesim de um consumismo extrapolado... opinião sua, já que nunca apreciou a época. Numa montra, uma lingerie bonita. Hesita? Mas para quê? Segue o seu caminho perdida em devaneios. O telemóvel toca. “Não me leves a mal, mas hoje estou cansada. Eu sei que é a terceira recusa mas estou mesmo cansada. Prometo recompensar-te”. Desliga.
Há quem use a dor de cabeça. Ela usa o cansaço. Um escudo como outro qualquer. Nem ela sabe bem porquê. Talvez porque não lhe preenche alma. Talvez porque a tenham matado. Talvez porque a ela tenha renunciado.

Shana Andrade

14.12.08

M.........!

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Resolveu não planear nada porque discursos preparados não eram o seu forte. Queria deixar fluir o discurso e tentar procurar a forma mais simples de lhe fazer entender o que sentia sem roçar, nem ao de leve, o sentimentalismo. O papel de drama queen nunca lhe assentou e não era agora que iria assentar e, aliás, a situação não era de todo digna de sentimentalismo. Dizem que as coisas e as pessoas só têm a importância que lhes atribuímos e esta não era uma situação de sentimentos profundos. Poderia tornar-se, talvez com o tempo e o conhecimento. Mas para já, não.
Iniciou o monólogo (sim, monólogo) com frases simples revestidas de algum humor, talvez por saber que este era o grande salvador de toda a situação catastrófica. Falar de sentimentos nunca é fácil e, cedo, ela se apercebeu que falar de sentimentos superficiais mais difícil é ainda, porque quem ouve tem sempre a tendência de extrapolar o que ouve. Ainda assim, tentou. E tentar foi mesmo só o que conseguiu fazer. Mesmo parecendo que o receptor a tinha captado em condições ideais, tudo tinha sido mal interpretado. De forma prática, descreveu que a atracção que sentia era forte, que achava a pessoa um encanto, possuidora de um sentido de humor extraordinário e pura. Que essa pureza lhe agradava, tal como a sua já um dia tinha agradado a alguém. Que apreciava a sua companhia e todos os momentos desfrutados em conjunto. Que lhe sentia saudades. Enfim, que estava apaixonada .
Erro fatal. Seres do sexo masculino parecem ter um handicap cerebral e emocional com esta palavra e ela, embora sabendo-o, resolveu achar que conseguiria levar a sua avante. Ao que parece, a maioria das mulheres usa esta expressão para se referir a sentimentos mais profundos. Não era o seu caso, que diabos! Mas porque raios se havia ele prendido na expressão e não na sua explicação?
Ela precisava de paixão, mas leia-se tesão arrebatadora, segredo e intensidade, não mensagens e jantares românticos e mãos dadas. Onde é que, exactamente, ela teria dado a entender o contrário? No entanto, o ser que dizia entender a sua explicação, não percebeu foi nada. Usou-a como mais um escudo e revestiu-se com ela. E não, não era nada disso que ela pretendia. Merda para a sua tentativa gorada. Merda para os homens que deram em pensar como gajas emocionais e não concebem a ideia de uma mulher prática que só queira sexo e amizade! Merda! Merda! Merda!
[e merda para as gajas que gostam de se enganar a si mesmas, não concordas Mi? ;))) ]

Shana Andrade

13.12.08

Estou nos braços da Paz..*

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Tenho a tua boca junto à minha. Mas não me tocas. Olhas-me apenas e eu sinto que vou perder esta batalha. Quero-te. Deus, como te quero. Beija-me, penso. E tu ouves-me. Duas bocas. Uma boca apenas.
Aproximas-te devagar, não há pressa agora. Somos nós de novo e eu sei, e tu sabes, que agora é tudo o que interessa.
A tua mão na minha. A minha mão na tua. Olhos nos olhos. As bocas que se reencontram.
Puxas-me para ti. Ouço o bater acelerado do teu coração. O teu peito tão perto do meu. Tão dentro de mim. Tanto que não sei se te ouço, se me ouço.
Suavemente percorres o meu corpo com as mãos, não páras nunca de me olhar, não páras nunca esse beijo que me enreda.
Ardo de desejo. As roupas são já um hóspede indesejado. Eu preciso dessa pele na minha.
Cada milimetro do corpo que exploras, pertence-te. E eu nunca to soube dizer. Hoje sei que não são precisas palavras, quando dois corpos se desejam assim, muito além do prazer.
A tua respiração intensa no meu ouvido. A tua língua, certa, segura. Uns seios que te chamam. A barriga. Desces vagarosamente. Torturas-me e eu não me importo. Venho-me na tua boca. É assim que gostas. Faço-te a vontade. Será a primeira de muitas vontades nossas realizadas esta noite. Olhos nos olhos.
É a minha vez agora de mostrar o quanto te desejo. Tenho te nas mãos. Sinto o descontrolo. Não podes nada contra isto, tenho-te na boca. É nela que te vens. É assim que gosto. Olhos nos olhos.
Ganhas-me pela força, agarras-me os cabelos, puxas-me de novo para esse coração. Esses braços imensos que me apertam. És tão lindo, penso. És tão linda, dizes. Essa boca na minha. Não páras nunca de me olhar, não páras nunca esse beijo que me enreda.
Adivinho o momento que se aproxima. Enquanto entras dentro de mim, eu entro dentro de ti. Somos um só. Os mesmos movimentos. A paixão. A intensidade. A certeza de uma vida à espera deste instante.
Cinco sentidos. Vejo-te. Olho-te. Ouço-te. Cheiro-te. Sinto-te. Temos-nos.
Horas de profundo prazer. E o tempo já não existe. O mundo parou. O mundo somos nós.
Olhos nos olhos. Boca na boca. Mão na mão. É assim que tens vens. Que me venho. Profunda sintonia. Não poderia ser nunca de outra forma. Somos um só.
Não, não digas nada. Não fales. Eu sei o que sentes. Eu sinto o também.
Perdi-me no exacto segundo em que os nossos olhos se cruzaram a primeira vez. Para me reencontrar de novo, recomeçaria tudo outra vez, percorreria todos os caminhos até ti.
Mas não digas nada.
Não quero saber o teu nome.


Ana Almeida

* Ao som de "Gostoso demais", Maria Bethânia

E...?

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Entra, cruza a pista e cumprimenta as amigas e quem conhece. Observa o ambiente, despe o casaco, pede uma bebida e deixa-se guiar pela música. Dança. Sua e dança muito. Vai brincando, sorrindo, rindo e não pensa em mais nada. Ouve o ritmo e o seu corpo segue.
Não está alheia, ao contrário do que possa parecer aos mais incautos. Pouco ou nada lhe passa despercebido. Mas tenta ignorar porque resolveu dar uma folga ao pensamento. Ninguém que lhe agrade, nem à primeira vista. É usual. Prossegue o movimento.
O cérebro esvazia-se em rapidez e intensidade proporcional à sua alma. Uns olhos que a cativam. Uma postura de merda. Alma que desperta; alma que adormece.
E assim segue pela noite fora... vivendo e morrendo a cada minuto.
(caso para dizer: She´s only happy when she´s dancing... and sometimes not even that)

Shana Andrade

11.12.08

Desavergonhadamente Feliz

Perguntas-me porquê e eu respondo-te porque acordo todos os dias.
Não te chega esta resposta, nem a ti, nem a ninguém. Então completo porque tenho saúde e as pessoas que amo também. Olhas para mim à espera de uma conclusão. E não existe.
Questionas-me novamente. Família? Fé? Dinheiro? Qual destes motivos te elevam? Tem que ser um, não, têm que ser todos! Só assim fará sentido. Qual é o teu "segredo"?
E eu não sei como fazer-te entender este imensurável sentimento de felicidade. Tu queres um motivo maior e eu não tenho.
Vou tentar explicar-te..

Cheguei ao patamar máximo da profissão que escolhi. Tenho 29 anos. Abri o meu negócio com 27. É um privilégio que poucos alcançam, mas eu estive sempre no lugar certo, na altura certa. A diferença para a maioria é que eu não deixei escapar nenhuma oportunidade. E não me fales em sorte. Sorte é quando a oportunidade e a preparação se encontram. E esse é o segundo motivo para ter tatuado no corpo a frase "Audaces Fortuna Juvat". E sim, não tenho dúvidas, a Sorte protege os Audazes. Qual é o primeiro motivo? Conto-te mais à frente..
Sentes agora que me compreendes. Sou muito realizada profissionalmente, com compensações financeiras, aí está o motivo que buscavas. Lamento. Sou uma insatisfeita nesta matéria, como provavelmente em muitas outras. Por ter chegado ao fim do caminho, tenho vontade de recomeçar tudo outra vez. Voltar à estaca zero. Lembro-me de mais duas ou três coisas que me dariam igual prazer concretizar. E faço questão de as experimentar a todas. Não me assustam as mudanças. Quanto ao dinheiro, há 10 anos que trabalho por conta própria, há 10 anos que não sei o que são certezas mas com 500 ou 5 na carteira por dia, o sorriso mantém-se.

Fé em Deus? Profunda religiosidade? Não, não a sinto. Não sei se Deus existe ou não, mas se me perguntas se acredito nele, a resposta é não.
Mas acredito no Amor. Nesta imensa e incompreendida palavra, acredito com todo o meu ser! E digo-te mais, quando formos todos capazes de olhar para quem está ao nosso lado e reconhecer uma pessoa igual, independentemente do sexo, da raça, dos credos, da nacionalidade, do status social ou de qualquer outra porcaria que acham que nos define, quando aprendermos a respeitar o outro, a acarinha-lo, quando não tivermos medo de assumir as nossas fraquezas porque só os fortes o conseguem fazer, quando não deixarmos que os sentimentos negativos nos preencham, quando soubermos pedir desculpa, quando soubermos agradecer, então, finalmente, será um triunfo do Amor. E se Deus existir, de certo que se sentirá muito orgulhoso da sua criação. Quanto a mim, da parte que me toca, tenciono ir para o céu e passar o resto da eternidade a fazer-lhe muitas perguntas.
Não me chames idealista. Ou chama-me. Talvez tenhas razão. Afinal "Força do Amor" é a outra frase escrita no meu corpo.
E chegámos ao último dos teus tópicos, a família. Aquela que amo profundamente. Da minha mãe/amiga, procuro manter a inocência que ainda hoje mantém no olhar. A minha mãe ainda acredita e por causa dela eu vou acreditar sempre também. Do meu pai, o meu primeiro e grande amor no masculino, tenho a loucura sã e espero ter obtido parte da sábia inteligência que ele tem. Com o meu caçula, o segundo grande amor no masculino, aprendi que afinal os homens não são assim tão diferentes de nós. Fez-me não ter nunca medo de sentir. A grande vantagem de se ter um irmão com um coração de ouro.
E por fim, e acima de tudo, o meu Amor maior. Com ele aprendi a incondicional capacidade que tenho de amar. Em todos os momentos, sempre, e mais, sempre mais, a cada instante que passa.
Das amizades que tenho, das quais não te falo hoje, digo-te apenas que agradeço a cada dia a existência delas na minha vida. Poucas e insubstituíveis, são elas que me acompanham a todos os momentos e espero do fundo do coração que assim se mantenha até ao fim.

Já divaguei demais.. Perco-me em palavras, provavelmente já te perdeste também. Querias saber porque exalo felicidade. Ainda não entendeste? A felicidade está dentro de mim. É um modo de viajar, não é um destino. Entendes agora?

Sou feliz porque ontem chovia e cheguei a tempo a casa de tirar a roupa que tinha a secar no estendal. Hoje voltou a chover e a roupa molhou-se, e sabes que mais? Que lixe! Sou feliz na mesma!

Ana Almeida

9.12.08

Delírio

Delírio
Cheiro-te. Deslizo o meu nariz pelo teu pescoço e decido que me agradas. Entreabro os lábios e levo comigo um pouco da tua pele... apetece-me lambuzar-te. Sigo o meu percurso pela tua face, até aos teus lábios. Toco-os ao de leve e repuxo-os um pouco. Invado-te a boca sem pedir permissão e conquisto-te a língua. Agrada-me a troca de fluídos.
As minhas mãos teimosas percorrem-te o corpo. Estão indomáveis. Não me apetece pensar, só deixar-me ir e levar-te comigo. Dou por mim a tentar descobrir-te cada canto da boca, dos lábios, do corpo. Deixo-te em tronco nu e entretenho-me nos teus mamilos. Gosto de te provocar. Volto à boca. Sinto-te. Desço as mãos e constato a tua vontade. Dreno-te as forças. Óptimo, porque é assim que aprecio. Deixo-te vulnerável e tento descobrir partes de ti que até tu desconheces.
Envolvo-te com a minha boca como se de um rebuçado te tratasses. Sucumbes. És meu. Naquele minuto, és meu. É só o que me importa. Reduzo-te a espasmos de prazer e nem sabes como amo sentir-te reduzido a meu nada. Pouso uma mão no teu peito e uso a outra em meu auxílio enquanto te abocanho. Garanto-te que o faço com prazer. Contigo sou uma puta. E nem conceberia ser outra coisa qualquer.
Agora, sim. Vem e mostra-me do que és capaz. Entrelaço-te e largo-me à tua mercê. E tu à minha. Até ao fim do combate. Sussurro-te impropérios e obscenidades. A minha boca não conhece limites. Nem o meu pensamento. Já não penso. Sinto. Cravo-te as unhas na pele, gemo e contorço-me.
Acordo.
Deste-te conta de que fui de facto tua, durante este hiato?

Shana Andrade

Faz-de-conta..

Tinhas a pele arrepiada pelo sentimento. Os olhos rasos de contentamento. A vida trazias nas mãos abertas. E o fruto do nosso encontro era uma alma cheia de presente, sem medo do futuro e sem necessidade de olhar o passado.

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Querias-me assim como eu te queria. Eternamente. Que era o mesmo que dizer, enquanto durasse. O nosso eterno era o momento, pleno, e não havia promessas feitas ao entardecer. O que dávamos estava em todos os gestos, em todos os olhares, no encontrar dos corpos. Nada de planos para o futuro, nada de palavras vãs para encher o vazio. Não existia o vazio.
Mas quando olhávamos para nós sentimo-nos cheios de mais. A sonhar o que não podíamos ter uma vida inteira. Não acreditávamos que a vida se desse assim, como uma fruta fresca em pleno verão.
Estranho o destino humano. Tudo o que é bom demais faz-nos afastar, evitar. Nem sequer tocamos com o medo de estragar. Para que nada mude, não chegamos a viver tudo o que se oferece aos nossos olhos. E partimos antes mesmo de chegar.

Ana Teresa Silva


[Não me dei conta em que exacto momento do tempo é que comecei a viver os "faz-de-conta". Eu não era assim. Era inabalável na minha fé. A minha força demolidora. Eu acreditava.
Não, espera, deixa-me corrigir, eu ainda acredito. O que é pior, muito pior, do que não acreditar.
E como explicar-te este medo de viver a perfeição e que ela, ainda assim, acabe?.]

Ana Almeida

5.12.08

Estado D’Alma

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Tanto tempo perdido. Revolvo as memórias do meu passado e questiono a minha vivência actual. Por onde começar a mudança? Passei parte da minha vida a tentar mudar o que e quem me rodeava porque sentia a necessidade de marcar a diferença. Agora, dou-me conta que quem mudou fui eu. Todo o ar do mundo não me chega quando respiro. Parece que me falta parte de mim e que a outra não consegue subsistir. Aliás, subsiste mas não vive. É um estado vegetativo de alma. Rodear a vida e não conseguir pôr os pés dentro dela e não a deixar abraçar-me, envolver-me, desenvolver-me.
Desenvolvi mas foi para pior. A única sobrevivente deste holocausto foi a esperança e o meu maior erro reside nela. É ela a responsável pela constante desilusão. Espero não sei pelo quê, nem sei por quem. Até sei, mas prefiro não pensar muito nisso, muito menos verbalizá-lo. É como se verbalizando-o tudo assuma proporções maiores e a minha frustração se possa abater sobre mim.
Não consigo reagir. Não consigo nem tento. Porque o tentar já me requer uma vontade que não possuo. Nunca me senti parte integrante deste mundo. Fui sempre a estranha, a outsider, a weird, a pesada, por quem me dei a conhecer melhor. Houve fases em que tentei integrar-me e mais deslocada me senti. Apetece-me contemplar a vida de fora. A dos outros parece-me tão mais interessante do que a minha. A dos outros é muito mais interessante do que a minha. Porque não nasci eu com essa fúria de viver que os que me rodeiam têm? A capacidade que tenho de me fingir integrada é assustadora. E demolidora também. Mas prossigo fingindo. Fingindo que sou alegre, despreocupada, conversadora, compreensiva e interessada. Sempre fingindo... nunca o conseguindo. Já não.

Shana Andrade

3.12.08

Quase nada

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Sento-me e espero. Tenho a sensação de fazer isto recorrentemente. Cruzo a perna e sinto os pés gelados... um carro que passa, a chuva que cai e respinga nos vidros. Sinto-me dormente. E não consigo sair deste estado. É como se o corpo manifestasse algo muito diferente da vontade do meu cérebro. Mentira. Ultimamente, até o cérebro sinto dormente. Uma voz que fala e não me diz nada. Nada que me acorde, que me sacuda e espante este estado de dormência. Penso no que poderia acontecer para que um estado de espírito diferente tomasse lugar em mim. E é tão simples. Tão simples e, no entanto, tão vivamente inacessível.
Relembro. Lembro-me de outras fases em que tudo fluía e se sucedia naturalmente, sem esforços ou grandes provações. Quando era feliz e nem me dava conta do quão feliz era. “Como?” Aparentemente, a voz deu-se conta do meu alheamento. Sorrio e disfarço e penso no quanto gostaria de me interessar por aquele ser e o assunto abordado. Esforço inútil. Retiro-me. O meu cérebro volta a viajar logo após um comentário comprovativo da atenção que não presto a quem se me dirige.
Tenho saudades. Da facilidade com que me ria e de facto sentia esse riso nas entranhas. Parece que pouco ou nada me atinge. Entrei em estado de esperar sempre o pior. E pior ainda acontece.
Desejo ardentemente ser surpreendida. Mas já não só por um gesto. Por uma prolongada fase. Por um prolongado alguém. Por um constante sentimento. Pergunto-me porque os outros sentem e eu não. Ou melhor, porque os outros sentem tão diferentemente de mim. Ou, melhor ainda, porque não sinto eu como os outros. Perco-me em porquês. E eles amaldiçoam-me a alma, o espírito, o pensamento, o coração, o corpo.
A voz despede-se. Tem que se ir embora. Mas alguma vez ali esteve senão fisicamente? Levo a voz à porta, visto o meu sorriso e ergo a face para a despedida. Observo-a a ir. Acendo um cigarro e fico a ver o carro a afastar-se. Chove muito. Porque vesti este casaco hoje? Devia ter vestido o de cabedal para poder andar à chuva. Preciso... podia ser que me fizesse bem. Mas bem a quê? Sorrio do meu próprio disparate. Dou uma última passa no cigarro, apago-o e fecho a porta. Fico em pé a olhar para o nada.
A alma seguiu errante.

Por Shana Andrade

2.12.08

Some people wait a lifetime for a moment like this..*

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Imagino-me numa casa profundamente acolhedora, com um design moderno misturado com cheiros antigos e recheados de história. Uma sala imensa. Cheia de luz. Aproximo-me das janelas, daquelas que ocupam uma parede, daquelas que chegam ao tecto. Abro as portas e sento-me no alpendre. Está um dia de sol radioso e sorrio.
Acabei de ouvir as crianças. Divertem-se a brincar juntas com os cães. São gargalhadas contagiantes neste jardim perfumado. E se é possível, sinto-me ainda mais feliz. Ao fim da noite, reina o silêncio neste lar. Aconchego-me no sofá, abro um livro e respiro momentos de paz e tranquilidade. E então, vejo-te...
Aproximas-te e quero mais. Sempre e para sempre. Olhas-me nos olhos, tocas-me na alma penso, mas são os teus braços que me envolvem a cintura. Tenho a tua boca junto à minha e o desejo de a beijar. Ao fim de tantos anos ainda sinto a mesma ânsia, a mesma urgência no toque.
Sobes as escadas comigo ao colo enquanto nos rimos de uma qualquer piada. Coisas só nossas, como só dois bons amigos fazem. Deitas-me na cama e a partir de agora o mundo pára.
Entrego-me faminta de paixão, sussurras palavras repletas de desejo, como se fosse a primeira vez. Minto, como se fosse a última.
Quero-te tanto! Sinto a dor física da tua ausência quando não estás. Amor a mais disseram-me um dia. Mas sabes, contigo aprendi que nunca se ama o suficiente. Continuo a ser tua de corpo, mente, alma e coração.
Tu que me ouves atentamente, que respeitas as minhas opiniões mesmo contrárias às tuas, que defendes mesmo assim o meu direito em dizê-las. Tu que incentivas a minha independência, que valorizas a minha forma de estar mas não hesitas no abraço todas as vezes que preciso de me sentir protegida. E que são muitas por detrás da segurança. Tu que não deixas que o silêncio se instale entre os dois quando há muito ainda por dizer. Tu que fazes de mim um ser humano muito melhor.
Proximidade. Nos momentos maravilhosos, nos momentos dificeis. Intensa proximidade. É isso que nós temos. Continuo a precisar dos teus conselhos, a confiar nas tuas decisões equilibradas. E sei que sentes a mesma necessidade de partilha. Temos as mesmas visões futuras, objectivos comuns, mas não somos iguais. Nunca fomos. Acredito até que sejam essas diferenças que nos tornam tão completos. Ou como tu dizes, juntos somos imbatíveis.
Devo ter estremecido porque me abraças ensonado e me perguntas se estou bem. Meu amor, meu grande amor, meu amigo, meu amante. Nesses braços como poderia não estar?
Vou-te contar um segredo, escrevo para ti hoje porque quero que saibas que estou à tua espera.
Tu que és o meu principe perfeito. Perfeito para mim porque um dia o quiseste ser. E porque fizeste de mim a mulher certa para ti também.
E quando assim o é, quando se acredita, quando duas pessoas o querem muito, a magia acontece e os sonhos realizam-se.
Nós vivemos um conto de fadas. Fazemos dele a nossa realidade.E é em ti que adormeço esta noite, como em todas as outras e onde não quero acordar nunca.
Amo-te.

Ana Almeida

* Ao som de "A moment like this", Leona Lewis

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Estamos de volta a casa depois de um longo interregno..
De novo as duas e desta vez sem Essências Passadas que nos acompanhem nesta viagem.
Confesso que não foi um desafio fácil apagar os textos publicados ao longo destes anos, senti ter perdido um pouco de mim no processo.
Mas cheguei a conclusão que nada apaga as nossas memórias. Só não faziam sentido continuar aqui.
Estamos prontas para recomeçar.
Um recomeço na escrita.
Um recomeço na Vida.
Juntas..

Ana Almeida

(Ter que assinar esta merda é que me mata Dra Shana!!)

1.12.08

Holding On

holding on

And there she sat all alone
Trying to see beyond sighs and tears
What life could't allow her to grasp
Crossing the same path over the years.
Sitting in that small weary step
That was part of an old friendly pier
Giving birth to a very new regret
For nothing more was she could fear.
And hours went by and gone
And days kept on slipping away
Yet there she stood again all alone
Heart so filled with words to say.
On the other side of the ocean
Proud and happy he stood tall
Sometimes remembering that girl
Although not feeling her mind call.
A year went by I went back there again
Contemplating that oh so strange place
Her sillouette a little twisted with pain
A strange smile hanging over her face.

de Shana Andrade